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Os “inoxidáveis” na defesa do governo Dilma, Lula e da democracia

Após cinco anos do golpe parlamentar, jurídico e midiático de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff (PT) do poder central, o país caminha sobre escombros. Já não se reconhece o Brasil que emergiu do governo golpista de Michel Temer (MDB-SP) e desceu ainda mais com o atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, eleito em 2018. Somos hoje um país autoritário, isolado internacionalmente e em estado de crise econômica permanente. Desemprego, fome, miséria e carestia voltaram a ocupar as manchetes da imprensa. Mas, se existe uma luz no fim do túnel, se chama Luiz Inácio Lula da Silva, cujo retorno à cena política distribui esperança para uma audiência cada vez mais atenta. Existem muitos protagonistas dessa história: pessoas comuns, autoridades, movimentos coletivos, populares e de base. Grupos resistentes, resilientes e dispostos a cerrar fileiras de luta quando tudo parece perdido. Um exemplo dessa fortaleza é o movimento denominado, carinhosamente, de “inoxidáveis”, criado no DF quando havia cheiro de golpe no ar, exalado pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), em conluio com o candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves (PSDB-MG). O local de encontro dos inoxidáveis não poderia ser mais emblemático: a Praça dos Três Poderes, transformada em espaço de solidariedade a então presidenta Dilma Rousseff. O movimento seguiu forte após o golpe consumado, em protesto contra o governo entreguista de Michel Temer e suas medidas neoliberais, pelo Lula Livre, pelo Fora Bolsonaro e, sempre, desde o início, na defesa intransigente da democracia.



Contar a trajetória dos “inoxidáveis” é rememorar a história recente do Brasil e, consequentemente, adentrar na dor e no sofrimento de muitos brasileiros e brasileiras, após a retirada do Partido dos Trabalhadores da presidência da República, em 2016. Foram realizadas dez entrevistas com os pioneiros – o que significou montar uma espécie de quebra-cabeças, tendo em vista que a memória de tantos dias de lutas se confunde à medida que o tempo passa. Na verdade, os inoxidáveis são militantes que sempre estiveram à frente das mais variadas lutas do Partido dos Trabalhadores, alguns desde a defesa da anistia aos presos políticos da ditadura militar de 1964. Eles já viveram muitos altos e baixos, defenderam suas ideias nas instâncias partidárias, participaram de momentos históricos como as “diretas já”, das reivindicações e greves do movimento sindical, dos avanços nos governos petistas, tanto na Presidência da República quanto em estados e municípios. Como se diz, estão calejados na luta por melhorias sociais, pelo desenvolvimento do país, sempre considerando a necessidade de incluir no orçamento e nas políticas públicas os que mais precisam. Quando questionados, eles se denominam militantes de base na estrutura partidária.

Com as manifestações de junho de 2013, quando os protestos na cidade de São Paulo, contra o aumento de vinte centavos na passagem de ônibus, foi capturado pela elite financeira, empresarial e midiática, acendeu a luz amarela. Os protestos paulistas foram instrumentalizados pela mídia, liderada pelas organizações Globo, para se tornar um movimento nacional, visando atingir o governo Dilma Rousseff. A partir disso, a movimentação cresceu e chegou até Brasília, na Esplanada dos Ministérios, atendendo à convocação da mídia. No dia 20 de junho daquele ano, a TV Globo chegou a suspender toda sua grade de programação a partir das 16 h para “ajudar” na convocação dos atos, numa cobertura tão inédita quanto vergonhosa. A programação só voltou ao normal às 21:20, com a exibição de sua última novela. Foi então que um grupo de militantes que atuava no governo federal começou a se organizar, fora do horário de trabalho, para discutir as investidas da elite contra o governo popular. “Nos encontrávamos no almoço e no final do expediente e começamos a fazer caminhada nos ministérios”, explica Benoni Dias Covatti, filiado ao PT, desde 1981, e que já ocupou diversas funções públicas no Executivo e no Legislativo. Eles sabiam que todo aquele alvoroço da mídia tinha como interesse impedir a reeleição de Dilma no ano seguinte. No entanto, o povo brasileiro renovou sua confiança no Partido dos Trabalhadores com o quarto mandato presidencial. Dilma Rousseff foi reeleita com 54,5 milhões de votos.

Logo após a posse da presidenta, em 2015, começaram os movimentos pela derrubada do governo. Na verdade, o candidato derrotado Aécio Neves questionou o resultado eleitoral ainda em 2014, com a finalidade de impedir a diplomação da eleita. Os militantes que ocupavam cargos na presidência da República, na Esplanada dos Ministérios e no Governo do Distrito Federal (GDF) continuaram se encontrando no final do expediente para realizar ações pela democracia. O servidor público aposentado pelo GDF, Orlando Ribeiro, lembra que o grupo participou do primeiro ato “Não vai ter golpe”, organizado pela CUT, UNE e MST no dia 13 de março de 2015, em defesa da Petrobras, dos direitos trabalhistas e da democracia. Houve uma caminhada pela Esplanada dos Ministérios que reuniu mais de cinco mil pessoas, conforme a Central, até a rodoviária do Plano Piloto onde foram realizadas ações para denunciar à população o que estava ocorrendo. Atos semelhantes foram realizados em outras 24 unidades da federação.

Segundo relatos dos inoxidáveis, nos meses de agosto a novembro de 2015, antes mesmo da abertura do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados, o grupo, composto por homens e mulheres, começou a realizar atos na Praça dos Três Poderes. Nesse período se reuniu para traçar estratégias e discutir como ampliar a luta no Distrito Federal. A ideia era expandir o movimento para além da esfera petista, agregando ativistas de outros partidos ou mesmo cidadãos e cidadãs independentes, com disponibilidade para a luta. Decidiram que seria preciso criar o Núcleo em Defesa da Democracia (NDD) – uma organização suprapartidária. Segundo Raimundo Nonato, presidente do PT no Cruzeiro (uma das 31 regiões administrativas do DF) e coordenador do NDD, “nossa luta inicial era manter a presidenta Dilma Rousseff no exercício pleno da Presidência da República para o qual foi eleita pelo voto livre, direto e soberano dos brasileiros”.

No dia 2 de dezembro de 2015, quando o então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha aceitou o processo de impeachment patrocinado pelo PSDB, as articulações do NDD se intensificaram.  No início de 2016, passou a se chamar Núcleo em Defesa da Democracia Margarida Alves, em homenagem à líder sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Alagoa Grande (PB), assassinada por fazendeiros, em 1983, e que deu origem à Marcha das Margaridas, organizada anualmente pela Contag.

As primeiras reuniões oficiais do NDD Margarida Alves ocorreram em março de 2016, 45 dias antes do fatídico domingo (17/4) em que os deputados autorizaram o prosseguimento do processo de impeachment. Mais de 70 pessoas participaram da plenária do NDD, realizada na Sede do PT Nacional, em Brasília, tendo em vista que a estrutura do PT-DF não comportava esse número de pessoas. Foi a segunda e última reunião em espaço coberto. Os participantes decidiram que, a partir dali, todas as reuniões ocorreriam em espaço aberto, neutro, que pudesse ter visibilidade e arregimentar mais e mais pessoas na luta pela democracia. As reuniões e atos públicos passaram a ocorrer, às segundas-feiras, na Praça dos Três Poderes, após o expediente – de 18h às 20h. Uma das fundadoras do PT-DF, a professora Fátima de Deus, disse que a ideia era reunir os manifestantes na “boquinha da noite” – horário mais adequado para fazer chegar a mensagem ao maior número de trabalhadores na saída dos ministérios, em ônibus lotados. “A gente não tinha recursos, usávamos a nossa própria voz, produzíamos nossas faixas e cartazes”, conta. De frente para o Palácio do Planalto, durante o processo de impeachment, os manifestantes ergueram as bandeiras do PT e abriram faixas para todos os carros e ônibus que trafegavam nas imediações. A palavra de ordem era “Não vai ter golpe”, largamente expressada pelos participantes. Havia um sentimento de revolta e de tristeza por tudo que estava acontecendo no Congresso Nacional – onde outra forte batalha ocorria nos meandros institucionais. No entanto, havia também uma vinculação solidária com a presidenta Dilma Rousseff, injustamente acusada por um crime que não cometeu.

Este é o primeiro de seis textos da série sobre o movimento dos “inoxidáveis”. Acompanhe o que aconteceu, as emoções e o avanço da luta nas próximas publicações da série.

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