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GDF: Revitalização da W3 detona patrimônio de meio século de existência

O arquiteto Fabricio Pedroza, explicou com exclusividade ao Blog do Chico Sant’Anna que, ao elaborar o seu projeto do calçamento da Avenida W.3 Sul, em primeiro lugar, pensou em propor uma calçada em pedra portuguesa, à exemplo da Avenida Atlântica, em Copacabana, e da Praça do Rossio, na capital portuguesa, Lisboa “pela comprovada beleza desses lugares”.

Cuidar da história e do patrimônio urbanístico e artístico do Distrito Federal parece não ser o forte da maioria das administrações que passam pelo GDF. Em muitos casos, existe mais um vandalismo do que a preservação da memória urbana.

Imagine-se caminhando pelo calçadão de Copacabana e, de repente, você olha pra baixo e percebe que aqueles desenhos de ondas, feitos em pedras portuguesas, brancas e pretas, foram retirados pela prefeitura e substituídos por lajotas pré-fabricadas em concreto. Inadmissível, não é? A revolta seria total, com certeza. Bem, esse exemplo não precisa ficar na ficção. Ele é real aqui na Capital da República.

O calçadão de Copacabana, a versão atual, data de 1970 e é de autoria de Burle Marx. Dois anos depois, aqui em Brasília, pedras portuguesas foram usadas para cobrir o passeio público das quadras 500 e 700 da W.3 Sul, até então, o principal eixo urbano da cidade.

Aquilo que seria inadmissível na Velha Capital está ocorrendo na Nova Capital e pela ação do próprio governo.

As calçadas da W.3 Sul estão passando exatamente por um processo, denominado de “revitalização” pelo GDF. O calçadão completaria meio século de existência, ano que vem. Seu autor, o arquiteto Fabricio Pedroza, reconhecido internacionalmente, está revoltado e, no particular, não economiza palavrões para classificar a “revitalização” posta em marcha pelo GDF. Em público, se limita ao adjetivo “lamentável”.

Estudo publicado pela Codeplan, em 2018, de autoria da arquiteta Ana Paula Costalonga Seraphim, indica que na W.3 Sul as pedras portuguesas foram utilizadas dos dois lados da avenida. Sendo que do lado residencial, as quadras 700, elas cobriam, à época, o passeio público entre as quadra 703 a 707. Já do lado comercial, ela cobria toda a extensão da via, porém tendo sido substituída por cerâmica em alguns pontos.

A esse blog, Fabricio Pedroza, explicou com exclusividade que ao elaborar o seu projeto, em primeiro lugar, pensou em propor uma calçada em pedra portuguesa, à exemplo da Avenida Atlântica, em Copacabana, e da Praça do Rossio, na capital portuguesa, Lisboa, “pela comprovada beleza desses lugares”.

“Depois, consideramos as vantagens que ao pedra portuguesa oferece: é antiderrapante, de alta resistência e durabilidade além de ser de simples manutenção e reposição. Levamos em conta também os 10 km de comprimento da W3 Sul e, nesse sentido, para evitar um resultado monótono, propomos diferentes desenhos para serem distribuídos ao longo das inúmeras quadras da avenida. Desenhos diferentes para cada trecho, mas coerentes em seus traçados. Assim, já testemunhamos pessoas marcarem encontros na W.3, referindo-se a um determinado desenho do piso da calçada. Veja só!” – salienta Pedroza.

De fato, quem percorrer a pé a W.3, poderá visualizar no solo, desenhos redondos, faixas em diagonal, elipses, dentre outras formas geométricas.

Com um novo formato, a partir da “revitalização”, apenas uma faixa próxima ao meio fio vai guaradr as pedras portuguesas do projeto original. Foto de Paulo H. Carvalho/Agência Brasília.

Revitalização?

Agora, tudo está sendo retirado e substituído, sob a alcunha oficial de “revitalização”. E o arquiteto, residente em Brasília, não foi sequer consultado.

O projeto em implementação prevê a divisão do passeio público em três faixas. O piso em pedras portuguesas será mantido na faixa de serviço, mais próxima da pista, destinada à instalação de postes de iluminação, bicicletários, lixeiras e vasos de plantas. Entretanto, trata-se de uma estreita faixa, próxima de um metro de largura, na qual não há a reprodução dos desenhos de Fabricio Pedroza. Serão apenas pedras brancas. Nas bordas das tampas de bueiros também deixaram uma moldura de pedra portuguesa. Possivelmente, pois ela é mais fácil de manipular em caso de obras. Já nas faixas livre e de acesso aos edifícios, por sua vez, o piso foi substituído por lajotas de concreto. Essa medida, segundo o GDF, garante mais resistência à ação do tempo. Sinalização tátil está sendo colocada para proporcionar uma circulação segura.

Projeto semelhante está idealizado para o Setor Comercial Sul. Ali, locais como a Praça dos Artistas e a Praça do Povo foram ornadas com pedra portuguesa por ocasião da gestão do governador José Aparecido. Hoje, o abandono e a depredação reina na maior parte dos espaços.

Em Brazlândia, onde o calçamento na Veredinha, de autoria do artista plástico, Francisco Galeno, estava sendo igualmente removido. A gritaria foi geral. As redes sociais se mobilizaram e, agora, o GDF pensa em tombar aquele espaço, criado na década de 1990. E a da W.3, que foi criada 20 anos antes?

Vandalismo estatal

Especialistas em urbanismo e memória estão indignados com essa postura do GDF. Há poucos dias, fato semelhante aconteceu em Brazlândia, onde o calçamento na Veredinha, de autoria do artista plástico, Francisco Galeno, estava sendo igualmente removido. A gritaria foi geral. As redes sociais se mobilizaram e, agora, o GDF pensa em tombar aquele espaço, criado na década de 1990.

E a calçada da W.3 que é vinte anos mais velha? Ficará no esquecimento?

É impressionante não haver no GDF quem efetivamente cuide da memória urbana e artística da cidade. Um órgão capaz de alertar previamente que determinado serviço pode, ou não, ser executado.

Para o professor de Arquitetura da UnB, essa revitalização oficial poderia ser denominada de “vandalismo estatal sobre a memória de Brasília”.

Como registra o jornalista, arquiteto e artista plástico Henrique Goulart, o Gougon, o calçamento da W.3 data de 1972. Ele é o o primeiro calçamento artístico com mosaicos decorativos em via pública, registra Gougon no portal Mosaicos do Brasil. É verdade que a Praça dos Três Poderes é mais antiga e também em pedra portuguesa, mas ela não conta com desenhos, com mosaicos. É toda em pedras brancas.

A escolha do Fabrício Pedroza, egresso da primeira turma de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília, foi uma decisão do Conselho de Urbanismo e Arquitetura de Brasília, que incumbiu a Novacap de colocar em ação o projeto.

“Athos Bulcão foi meu professor na UnB e um querido amigo. Comecei a trabalhar com Arquitetura aos 17 anos de idade, no escritório do Sérgio Bernardes, um dos maiores arquitetos que nosso país já teve” – comenta Pedroza para demonstrar suas raízes e inspirações arquitetônicas.

Egresso da primeira turma de Arquitetura da UnB, Fabrício Pedroza tem em suas raízes a técnica de Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti e Sérgio Bernardes. Reconhecido internacionalmente, com trabalho em vários países se revolta com a destruição de uma de suas obras mais antigas na Capital Federal. Foto: Reprodução do Facebook.

“Tratava-se então de aluno formado pelo curso de Arquitetura da Universidade de Brasília, nos anos 60. Sua formação vinha de mestres eméritos como Oscar Niemeyer, Athos Bulcão e Alfredo Ceschiatti. Seu projeto de mosaico para a W-3 foi saudado pela imprensa local, bem como pela imprensa do Rio e de São Paulo (em Correio Braziliense, O Globo e O Estado de S. Paulo, janeiro de 1972), que viram na iniciativa uma proposta de humanização da cidade, abrindo suas páginas para publicar matérias amplas com fotos dos desenhos concebidos pelo arquiteto – escreveu Gougon, em maio de 2009.

Calçadas de Brasília foram tema de notícias em jornal do Rio de Janeiro.

Fabrício Pedroza é um arquiteto que saiu do Planalto Central para deixar sua marca nos quatros cantos do Planeta.

Obras suas estão na Tailândia, em Angola e Moçambique, onde seu projeto de casas populares tornou-se referencial na área acadêmica. Aqui em Brasília, foi encarregado pelo então ministro Gilberto Gil Fabrício, para remodelar a arquitetura interior dos pavimentos onde se localizava aquele órgao. O projeto urbanístico do Jardim Zoológico é de sua autoria, como também o calçamento em pedras portuguesas no entorno da Igreja de Dom Bosco, na 502 Sul. Mas parece que toda essa trajetória não é importante para o GDF.

“Conheço bem e de longa data o Fabrício. Acompanho, desde sempre, sua trajetória profissional. Lembro de seu trabalho no Zoológico/BSB, ainda como recém formado, e de seus inúmeros e bons projetos na África – comenta Geraldo Nogueira Batista, professor de arquitetura, aposentado da UnB.

Memória Candanga

Procurado por esse blog, o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, num primeiro momento disse que o calçadão da W.3, está sendo recuperado em comum acordo com os comerciantes locais e que, ao contrário do de Brazlândia, de autoria do artista plástico Francisco Galeno, esse não tinha autoria conhecida.

O calçadão de Brazlândia também seria alvo da destruição perpetrada pelas obras de “revitalizado” pelo GDF, mas, agora, sob iniciativa da secretaria de Cultura, pode vir a ser tomado e considerado patrimônio Cultural do DF.

Bartô, como é conhecido, ficou surpreso ao saber desse blog que ao contrário, o calçadão da W.3 era ainda mais antigo e que o trabalho era de um dos primeiros arquitetos formados em Brasília e de renome internacional. Diante disse, disse que iria procurar se informar e saber da secretaria de Desenvolvimento Urbano – Sedhu, sobre a possibilidade de preservá-lo.

Essa obra na principal avenida de Brasília está consumindo muitos recursos públicos. Somente nas quadras 509 e 510 o consumo de verbas públicas é estimado em R$ 24,8 milhões. A avenida, contando os Setores Hospitalar, de Rádio e TV, Comercial e Hoteleiro Sul, conta com o equivalente a vinte quadras. Dessa forma, “revitalizar” toda a W.3 e, com isso dar fim ao trabalho de Pedroza, custaria ao contribuinte cerca de R$ 240 milhões.

Entretanto, em termos de revitalização da via, Geraldo Nogueira Batista considera o atual projeto uma espécie de maquiagem. “O atual projeto de “revitalização” (?) da W.3 me parece muito tímido e não acredito que vá recuperar de fato a avenida. Ao meu ver, o GDF deveria investir em medidas que estimulem de fato a circulação de pedestres e ciclistas. Para tanto, haveria que se ter um transporte público eficiente além da adoção de políticas de desestímulo do uso dos automóveis. Essas últimas certamente incluiriam alterações na geometria viária da W.2 e da W.3. Algo na linha de técnicas de suavização do trânsito. Em que pese algumas pequenas melhorias há um certo caráter meramente “cosmético” na atual iniciativa” – analisa Geraldo Nogueira Batista.

Para o arquiteto e pesquisador em Urbanismo, Sérgio Jatobá, autor do livro “Brasília, cidade construída na linha do horizonte”, o GDF deveria se espelhar na experiência de outros países, onde o uso de pedra portuguesa é mais intenso.

“Inegavelmente, é uma agressão cultural destruir a calçada de pedras portuguesas. Sabemos que técnicos da área de acessibilidade urbana defendem que as calçadas para dar plena acessibilidade a cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção devem ter pavimento liso. Então a pedra portuguesa, por este aspecto, seria inadequada para a acessibilidade. A solução conciliadora seria NÃO destruir a calçada de pedra portuguesa e construir, como fazem em Portugal, uma outra paralela à ela para as pessoas com dificuldades de locomoção”.

Também professor de Arquitetura da UnB, Frederico Flósculo, critica a falta, 60 anos depois de criada, de uma legislação que regule a preservação do patrimônio do conjunto urbanístico de Brasília – PPCUB e também da preservação do patrimônio artístico cultural do Distrito Federal, como um todo.

“Em 1987, conseguimos para Brasília esse título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Mas esquecemos que só o título não adianta nada. Era necessário um plano operacional de preservação da cidade que nunca foi feito. Devemos nos questionar porque esse plano nunca foi feito” – diz Flósculo.

Cultura desaparecida

Em termos urbanos, Brasília é uma cidade jovem, mas muito de sua história já desapareceu. Os barracões de dois andares no Núcleo Bandeirante são um exemplo. Não ficou nenhum, nem mesmo como atrativo turístico. Quem quiser ver como era vai ter que assistir ao filme Bye, Bye Brasil, de Cacá Diegues.

É bom que se registre aqui, novamente – como já fez esse blog em 17/04/2014 – que é sistemático o desaparecimento de estruturas urbanas, de obras de artes e de monumentos na cidade. Na privatização do Aeroporto, a Praça Santos Dumont desapareceu. Onde antes existiam espelho d’água, palmeiras, árvores do cerrado e até um busto do Pai da Aviação, agora prevalece um grande e árido cimentado, construído como estacionamento pelo consórcio Infraero/InfrAmérica. E o busto de Santos Dumont esteve desaparecido por algum tempo, só veio a ser reexposto – agora, na área de saída dos passageiros – depois de muita reclamação.

Nas obras do BRT, no Balão do Aeroporto, foi retirada e não devolvida a escultura Monumental Espaço Cósmico 81, do pintor, escultor e desenhista japonês, Yutaka Toyota

Outro busto de Santos Dumont, que ficava na Praça 21 de abril (707 Sul) havia desaparecido. O blog não conseguiu apurar se voltou ao seu lugar. Muita gente do GDF nem sabia que um dia ele existiu.

Nas obras do BRT no Balão do Aeroporto, foi retirada e não devolvida a escultura Monumental Espaço Cósmico 81, do pintor, escultor e desenhista japonês, Yutaka Toyota. Isso sem falar na Alameda dos Mártires da História, em frente ao Palácio do Buriti, que é sistematicamente alvo do vandalismo.

Também quando da duplicação da Avenida das Nações, que os tecnocratas insistem em chamar apenas de L.4 – apagando da memória das futuras gerações a denominação definida por Lúcio Costa para a principal via do Setor de Embaixadas -, desapareceu um pequeno monumento.

Dwight Eisenhower deixou em Brasília, dois meses antes da inauguração, um monumento. Sumiu, ninguém sabe, ninguém viu.

Um bloco de mármore branco trifacetado. Ele registrava a visita do então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, a Brasília, em fevereiro de 1960 – dois meses antes da inauguração da nova capital. Em letras de bronze ali foi afixado o compromisso do mandatário norte-americano de construir a representação diplomática de seu país na Nova Capital. O marco desapareceu. Informações não oficiais indicam que no governo de José Roberto Arruda, seu vice, Paulo Octávio, a pedido da Embaixada dos Estados Unidos, teria retirado o monumento de onde foi inaugurado por Juscelino e Eisenhower e o cedeu à representação diplomática. Não se sabe que fim essa privatização transnacional do monumento públicos teve.

Combate às pedras portuguesas

A política de retirada de pavimentos com pedras portuguesas não é privativa da gestão de Ibaneis Rocha. Parece que há uma guerra aberta contra esse tipo de acabamento. Enquanto no Rio de Janeiro novas áreas ganham adornos nesse estilo, aqui a ordem parece ser dar fim a elas. Primeiro, deixam precarizar, não há manutenção, depois chegam com o asfalto, o concreto, o pré-fabricado.

Calçadão da orla do Guará 2 teve seu ornamento de pedras portuguesas trocadas pelo asfalto.

O calçadão que margeia o anel viário do Guará 2, uma pista de 8,5 km, hoje toda em asfalto, foi por 28 pavimentado e ornado com pedras portuguesas. O que além de dar uma beleza maior, contribuía para reduzir a impermeabilização do solo. No governo de Agnelo Queiroz tudo foi trocado por asfalto.

Como registramos acima, o projeto elaborado para o Setor Comercial Sul foi projetado com lajotas de alvenaria, algumas de cores diferentes. Vai aqui uma sugestão. Convidem Fabrício Pedrosa para projetar as praças ali existentes.

“O destino de Brasília é perder esse status de patrimônio cultural da humanidade pelas sucessivas ações de vandalismo dos governantes do Distrito Federal contra o patrimônio urbanístico artístico histórico e cultural. A Unesco, por sua vez, não exige dos governantes de Brasília a elaboração do plano de preservação de Brasília. Dessa maneira, O vandalismo oficial vai continuar e Brasília e sua cidadania nunca passarão de espectadores de um espetáculo grotesco feito por senhores do Capital imobiliário e por governantes toscos sem cultura sem educação e sem preocupação” – sentencia Flósculo.

O vice-governador, Paco Brito, no exercício da governança, prometeu preservar o calçadão da Veredinha. Vai aqui o nosso apelo. Preserve também o da W.3 e em ambos locais, afixe placas informando ao cidadão da importância da obra que ali se encontra. Isso é bom até para o turismo da Capital Federal.

Fonte: Blog do Chico Sant’Anna

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