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Desafios da luta antirracista no brasil: “banzo” e “tristeza infinita”?

Por Tiago Neto da Silva*

Primeiramente, como ponto inicial a considerarmos sobre a construção deste texto, é que ele parte de um olhar singular. Nasce a partir da cosmovisão de um homem negro que acredita na centralidade desse debate como um dos elementos estruturantes da denominada crise brasileira, portanto da sociedade e do Estado brasileiro. Nesse sentido, as dimensões tática e organizativa têm caráter imprescindível. Constituem, por si, fundamento programático e estratégico. Assim sendo, não há dúvidas quanto a essa condição elementar. Mas, ou melhor, ‘e se’ houver a famigerada dúvida sobre a minha afirmação categórica, fruto de uma constatação empírica da realidade? Será apenas um ponto de vista de um Homem Invisível? Creio que nos encontraríamos diante de uma “situação limite” ou de uma “fala significativa”, perante, esta “problemática”, princípios da educação popular.

Segundo, enfatizo aqui a importância do patrono da educação brasileira para esta reflexão crítica e dialógica, afinal o diálogo pressupõe escuta sensível e ativa, para a transformação em busca do “ser mais”, a partir do agir comunicativo. Em 19 de setembro de 2021 acontecerá o Centenário do Educador Paulo Freire. Na obra desse autor, tomei conhecimento de lideranças importantes na luta pela descolonização do continente africano, sobretudo, destaco aqui Amílcar Cabral. Mas, voltando ao pensador pernambucano, até hoje desperta em muitos a amorosidade; em outros desperta um desamor profundo. Penso em Freire como um sujeito à frente de seu tempo, com disposição inquebrantável a construir, desconstruir, reconstruir suas concepções de mundo a partir da caminhada com o outro, se reencontrando consigo. Ao ler Cartas à Guiné Bissau, compreendo que o saber de Freire é descolonizador. Hoje, no dia em que escrevo este texto – 2 de maio de 2021 – completam-se 24 anos de seu falecimento.

Caro leitor, cara leitora, o racismo à brasileira é complexo. O último país a abolir a escravidão tornou-se, repentinamente, uma “democracia racial”. No ano seguinte à promulgação da lei áurea, proclamou-se a República. E a conivência, omissão e cumplicidade do Estado da “Colônia-Império-República” perdura até hoje. Por isso, os genocídios negro e indígena, por exemplo, não são meras pautas identitárias, temas marginais, excludentes ou descartáveis. Por isso, a relevância de enfrentar no campo democrático, popular e de esquerda não mais “a questão do negro” no Brasil, mas o papel da branquitude crítica na luta antirracista, pois da branquidade acrítica estamos cansados. Fartos de preconceitos e discriminações raciais, formas do racismo manifestar-se. Esta lógica racista é estrutural e institucional, aparece na invisibilidade, marginalização e exclusão. No racismo recreativo, no racismo epistêmico, racismo ambiental e racismo religioso.

A política de encarceramento em massa do povo negro, a letalidade policial contra o “povo pobre, preto e periférico”, cantou GOG em Brasil Com P, em verso e prosa. Mas, a capacidade de inovação do racismo tem como fundamento ser “anti-anti-racista”. Como é que isso acontece? Alguns e algumas acreditaram que abolindo o termo, a categoria, o conceito social e político de raça, ou seja, “desracializando”, tudo estaria resolvido. Há boa intenção nisso, ingenuidade, boa vontade talvez? Contudo, a “questão do negro” não é o problema, logo não há um “problema do negro” no Brasil. É uma “conversa democrática, plurirracial e popular” diria Hamilton Cardoso (1953-1999), intelectual da mais alta envergadura, militante do Movimento Negro Unificado que participou das conversas para articular a fundação do Partidos dos Trabalhadores. Era jornalista, por excelência, jornalista.

Acredito hoje precisarmos muito ouvir as vozes de Paulo Freire (1921-1997), Hamilton Cardoso (1953-1999), Beatriz Nascimento (1942-1995), Lélia Gonzalez (1935-1994) e Abdias do Nascimento (1914-2011), pois contribuíram com a sua vida e obra na luta por uma sociedade de novo tipo. 133 anos de pós-Abolição inconclusa – inacabada – e “nós não temos tempo” ou melhor, de fato não há mais tempo de vida para nós, seja em razão da violência policial, da milícia ou do tráfico. As vidas negras estão sob fogo cruzado. Seja por conta do Estado brasileiro ou do Estado paralelo. Afinal, temos muita pressa e fome por cidadania plena. A cada 100 pessoas mortas no Brasil, 71 são negras. O Estado Democrático de Direito parece não almejar o “Jovem Negro Vivo”. A “Juventude Negra Viva” ainda é um grito que ecoa para ouvidos moucos, de tal forma: o que podemos dizer sobre o dia 14 de maio? Perdura até hoje, para nós (falo a partir da ancestralidade africana e afro-brasileira).

A esquerda brasileira é plural. A diversidade das esquerdas expressa o quanto a heterogeneidade caracteriza sua riqueza. Na terceira década do século XXI o tempo urge, a negritude e a branquitude precisam se encontrar ou reencontrar no caminho para construir o socialismo. Na contemporaneidade, nesse país fruto da diáspora africana e afro-brasileira: reparação, memória e justiça. Construir outro mundo possível irá emergir de dentro do campo democrático, popular e socialista. O imperialismo – sob a lógica neoliberal que reestrutura o capital, a necropolítica – visa reduzir a nada nosso corpo negro. E Lugar de Negro por Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg é um testemunho do quanto precisamos avançar.

“Teremos a nossa chance”, conforme Hamilton Cardoso.

(*) Tiago Neto da Silva é estudante de Licenciatura em Química no Instituto Federal de Goiás e militante petista em Luziânia.

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