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O papel das empresas estatais para o Brasil sair da crise

Por Wilmar Lacerda, Vice-Presidente do PT-DF

Entre 2020 e 2021, considerado o trimestre encerrado em fevereiro, o Brasil perdeu quase 8 milhões de ocupações. São mais de 14 milhões e desempregados, recorde da série histórica iniciada em 2012.
Não se trata apenas de destacar efeitos econômicos da crise sanitária em curso. É preciso salientar a inação e os erros do Governo Bolsonaro. De um lado, o boicote ao distanciamento social e a demora na vacinação são vitais para explicar o recrudescimento da pandemia, superando-se 400 mil mortes. O Ministério da Saúde, até o início de maio, só conseguiu executar cerca de 20% do orçamento autorizado para vacina contra a COVID.
O caos sanitário tem impactos econômicos e sociais dramáticos, sobretudo diante da queda da renda do trabalho. O fanatismo fiscal do governo levou à retomada do teto de gasto em 2021, bem como à limitação do pagamento do auxílio emergencial fora das regras fiscais, em R$ 44 bilhões, menos de 15% do recurso pago em 2020. A queda da renda do auxílio (que não foi pago entre janeiro e março) sem recuperação da renda do trabalho leva ao aumento da pobreza e da fome.
O PT, demonstrando seu espírito público e sua posição em defesa dos mais vulneráveis, vem atuando no Congresso Nacional para mitigar o quadro de caos sanitário e social em curso. Por exemplo, apresentou PEC para prever o auxílio de R$ 600, indicando fontes de custeio. Também propôs, tendo sido acatada pelo Congresso, alteração à lei de diretrizes orçamentárias que, na prática, viabilizou a ampliação de gastos para a retomada do Programa de Manutenção do Emprego e da Renda, do crédito a micro e pequenas empresas (Pronampe) e para o Sistema Único de Saúde.
Além disso, o PT, em articulação com movimentos sociais e sindicatos, vem lutando contra o desmonte do patrimônio público, especialmente das estatais. Imaginemos o quanto os efeitos da pandemia seriam ainda mais severos não fosse toda a capacidade acumulada pelas empresas estatais. Linhas de crédito como o Pronampe foram executadas, principalmente, por bancos públicos. O próprio auxílio emergencial, que alcançou 68 milhões de pessoas em 2020, foi viabilizado pela expertise da Caixa no pagamento de benefícios sociais.  
Outro exemplo é o BNDES, que ofereceu garantia a 114,5 mil empresas por meio do Programa Emergencial de Acesso a Crédito, totalizando R$ 92 bilhões. O número mostra a relevância do BNDES, ainda que o banco venha sendo esvaziado pelo atual governo, por exemplo, com a devolução de recursos ao Tesouro que retiram funding para empréstimos capazes de gerar emprego e renda e fomentar o desenvolvimento.
O mercado não seria capaz de atender às demandas emergenciais da pandemia, de modo que, não fossem os instrumentos públicos, especialmente as empresas estatais, o Brasil teria um quadro ainda mais grave do ponto de vista sanitário, econômico e social.
Para a reconstrução da economia pós-pandemia, também será fundamental contar com o papel das estatais. Não se trata de defender o privado e o público como polos antagônicos, mas de mostrar, por exemplo, que o desenvolvimento de vacinas contra a COVID resultou da indução do mercado pelo Estado. Diante de investimentos elevados e do risco inerente à atividade, o setor privado não é capaz, sozinho, de desenvolver novas tecnologias que revertem em garantia do bem-estar e da vida, como as vacinas. Segundo a OCDE, o setor público foi responsável por 72% do financiamento de P&D para combater a COVID. Enquanto isso, o governo brasileiro contingencia de forma ilegal 90% do recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Os recursos do fundo são executados pela empresa pública Finep e é um dos principais instrumentos de fomento à pesquisa e à inovação no Brasil.
O Brasil só voltará a crescer se ampliar sua taxa de investimento, que encerrou 2020 em 16% do PIB. Para tanto, as empresas estatais são decisivas. O projeto neoliberal, retomado com o golpe de 2016, implicou redução da oferta de crédito (como no caso do BNDES) mas também dos investimentos em empresas como a Petrobras.
Vale lembrar que foram os investimentos da Petrobras que permitiram a descoberta da camada do pré-sal. No entanto, a empresa, atualmente, é gerida por uma lógica privada e financeirizada. Na contramão do que fazem as grandes petroleiras, o governo desverticaliza a empresa, privatizando setores como o refino e a distribuição de combustíveis. Uma Petrobras atuando apenas com exploração e produção de petróleo bruto é uma empresa mais vulnerável à volatilidade externa e com menos capacidade de obter receitas, dada a perda de ativos como refinarias, e realizar investimentos estratégicos.
Além disso, desde 2016, a Petrobras pratica uma política de paridade de preços de importações, levando a preços de realização elevados e voláteis. Dados os elevados preços, houve ampliação das importações de combustíveis, especialmente dos EUA, de maneira que a Petrobras chegou a ter capacidade ociosa nas refinarias de quase 30%, fomentando, inclusive, o interesse do capital externo pelas refinarias que foram colocadas à venda. Vale dizer, no caso da RLAM, o próprio TCU apontou para os preços baixos de venda da refinaria a um fundo árabe. A política neocolonial de exportação de óleo cru e importação de derivados mostra que o povo precisa recuperar o controle do pré-sal, utilizando-o como instrumento para a autossuficiência de derivados e redução da dependência externa, além, é claro, da canalização de recursos para a educação, inviabilizada pelo teto de gasto.
Há inúmeros desafios para o Brasil retomar uma rota de desenvolvimento com inclusão social. A defesa das empresas estatais é crucial para garantir o combate à pandemia, mas também para fomentar um projeto nacional capaz de induzir investimentos, especialmente nos setores de maior densidade tecnológica, de maneira a diversificar nosso tecido produtivo e gerar empregos de qualidade para nossa população, no contexto da revolução tecnológica em curso.
O atual governo, contudo, pratica um liberalismo primitivo focado na venda de empresas para redução da dívida pública e incapaz de compreender que os casos bem-sucedidos de promoção do desenvolvimento envolvem o forte papel do Estado na indução do setor privado. Para tanto, o Estado utiliza diversos instrumentos (tarifas, subsídios, crédito, poder de compra), canalizando recursos, especialmente por meio das empresas estatais, para garantir serviços públicos de qualidade e alterar o padrão produtivo dos países, aumentando a segurança e o bem-estar de suas populações.

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