Enfrentando o coronavírus

300 mil: por que a velocidade das mortes dobrou no Brasil

Apenas 76 dias após alcançar a marca de 200 mil mortes pela covid-19, no início de janeiro, o Brasil voltou a contar mais 100 mil vítimas da doença. Na quarta-feira (24), o país contabilizou oficialmente 300.685 óbitos pelo novo coronavírus, segundo o Ministério da Saúde. O número foi de 301.087 no levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa com base nos dados das secretarias estaduais de Saúde.

O tempo necessário para atingir a marca revela a velocidade e o descontrole da transmissão do vírus no país — apenas entre fevereiro e março de 2021, as mortes semanais dobraram. Da primeira vítima em março de 2020 até os 100 mil mortos em agosto do mesmo ano, foram 145 dias. Das 100 mil às 200 mil em janeiro de 2021, passaram-se mais 152 dias. O Brasil levou metade desse tempo para o número chegar a 300 mil.

MORTALIDADE ACELERADA

Sem vacinas disponíveis em quantidade suficiente, evitando adotar restrições de circulação mais rigorosas, como os lockdowns, e enfrentando o aparecimento de uma variante mais transmissível do coronavírus, o Brasil está, em março, à beira de uma crise humanitária.

Os hospitais estão lotados em quase todo o país, e há registros de mortes de pacientes na fila de espera por leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Na terça-feira (23), o país registrou 3.251 mortes pela covid-19 em 24 horas, segundo o Ministério da Saúde, número recorde desde o início da pandemia.

Por representar uma ameaça global, a OMS (Organização Mundial da Saúde) passou a pedir em todas as entrevistas realizadas em março que o Brasil leve a pandemia a sério. Na segunda-feira (22), o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom, pediu alinhamento de todas as esferas de poder no país para as ações de combate à covid-19.

“O número de casos aumenta, o número de mortes aumenta. O Brasil tem de levar isso a sério, seja o governo, seja o povo”

Tedros Adhanom

diretor-geral da OMS, entre entrevista na segunda-feira (22)

Mais de um ano após o início da pandemia e sob pressão de aliados, do empresariado, do setor financeiro e de políticos de oposição, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na quarta-feira (24) a criação de um comitê de coordenação nacional de combate à crise sanitária. O grupo deve ter encontros semanais para coordenar ações em conjunto com governadores e líderes parlamentares.

O que explica a pandemia em alta
O alerta para a situação brasileira já vinha sendo feito por epidemiologistas desde o final de 2020: com o relaxamento das medidas de isolamento social, a reabertura desordenada das atividades econômicas e as festas de fim de ano, como Natal e Ano Novo, o país poderia ter uma explosão de casos.

A situação foi agravada pelo aparecimento de uma variante do coronavírus em Manaus, identificada no começo de 2021. As mutações no vírus são comuns e esperadas. Elas acontecem por causa de falhas na replicação do vírus no organismo. Quanto mais ele circula, maiores as chances de surgirem variantes com vantagens evolutivas, que podem ser mais transmissíveis. Sem o controle da pandemia, o Brasil passou a ser visto como um celeiro de novas variantes.

Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), houve um conjunto de fatores responsável pelo agravamento da pandemia que inclui as aglomerações, as novas variantes, a “ausência quase que completa de qualquer medida de diminuição de circulação” e a falta de coordenação de um política nacional de enfrentamento à doença pelo governo federal.

“Estamos quase no fim de março sem o auxílio emergencial [que parou de ser pago em 31 de dezembro de 2020]. É muito difícil para aqueles que estão passando necessidades básicas ficar sem sair de casa. É uma questão de necessidade humana básica, de alimentação, de fome. Então a pessoa acaba se colocando em risco em virtude de não termos, neste momento, nenhuma ajuda do governo federal”

Ethel Maciel

epidemiologista e professora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), em entrevista ao Nexo

Para a médica epidemiologista Ana Maria de Brito, que é pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e professora aposentada da Universidade de Pernambuco, o Brasil nunca conseguiu conter o avanço do vírus desde o início da pandemia. “A gente teve meses com um arrefecimento dos casos, mas continuou tendo casos e óbitos”, disse ao Nexo.

Segundo ela, a covid-19 é uma doença que cria um “estoque de infectados” cuja consequência é uma pressão sobre o sistema de saúde. Para reduzir esse estoque, a única maneira é fazer um trabalho de prevenção. “Era exatamente a adoção das medidas não medicamentosas [como isolamento, quarentenas, uso de máscaras], uma vez que a gente não tem vacinas em larga escala, sem necessariamente fazer o que o brasileiro tanto teme que é o lockdown [confinamento rigoroso da população]”, afirmou.

O colapso dos hospitais, de acordo com a pesquisadora, se deveu ao fato de uma superexposição da população mais jovem ao vírus. “Essa população demanda leito hospitalar por mais tempo. Paradoxalmente, um jovem pode evoluir com a mesma gravidade de uma pessoa com mais de 60 anos, mas não morre e fica um tempo maior na UTI”, disse.

Dados do SUS (Sistema Único de Saúde) mostram que, em março, apenas no Estado de São Paulo, 50,8% das internações em UTIs são de pessoas com menos de 60 anos. As mortes, porém, continuam ocorrendo, em sua grande maioria (71,5% dos casos), entre idosos.

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