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Acadêmicos brasileiros assinam carta em solidariedade a historiadores do Holocausto condenados por corte polonesa

Centenas de pesquisadores e professores universitários de Ciências Humanas e Sociais do Brasil estão assinando uma carta de solidariedade na qual expressam sua profunda preocupação pelo processo financiado pela Liga Antidifamação Polonesa, organização não governamental nacionalista de extrema-direita com sede em Varsóvia, contra os historiadores do Holocausto, Barbara Engelking, membro da Academia de Ciências de Varsóvia, e Jan Grabowski, professor polonês-canadense de História na Universidade de Ottawa.

Engelking e Grabowski foram condenados por uma sentença promulgada pela corte polonesa no último dia 9 de fevereiro. Eles são acusados de terem “manchado a memória” do ex-prefeito da cidade polonesa de Malinowo, Edward Malinowski, no livro Dalej gesto nos (em tradução livre para o português, “Noite sem fim”), onde aponta-se o envolvimento da antiga autoridade no extermínio de judeus poloneses.

A corte de justiça polonesa determinou que ambos os pesquisadores devem encaminhar um pedido de desculpas por escrito à Filomena Leszczynska, de 81 anos, sobrinha de Edward, que considerou que a memória do tio foi difamada. Segundo a corte, os pesquisadores devem pedir desculpas a ela por “terem fornecido informações incorretas” sobre as ações contra os judeus realizadas pelo seu tio, em 1943. De acordo com o site alemão DW, o processo foi iniciado por Filomena e financiado pela Liga Antidifamação Polonesa.

O livro de Engelking e Grabowski diz que o ex-prefeito de Malinowo pode ter participado de um massacre local de judeus comandado por soldados alemães. Filomena, contudo, diz que essa versão é incorreta. Segundo explica, seu tio, na verdade, ajudou os judeus. Para ela, os dois pesquisadores cometeram “omissões” e “erros metodológicos”. Engelking e Grabowski negam a acusação e disseram que vão recorrer da decisão. Para os dois, essa é uma tentativa de dissuadir acadêmicos que pesquisam o Holocausto na Polônia. “Este é um caso do Estado polonês contra a liberdade de pesquisa”, disse Grabowski, cujo pai era um sobrevivente do Holocausto.

Historiadores pressionados
Nos últimos anos, entidades de direita e extrema-direita, sobretudo na Polônia, mas também em outros países do leste europeu, têm recorrido ao expediente dos processos judiciais para constranger historiadores que pesquisam o envolvimento de nacionais com atos de perseguição e de assassinato de judeus ocorridos durante a ocupação nazista. Quando não negam direta e explicitamente o Holocausto, esses grupos rejeitam a tese que os cidadãos de seus países tenham participação no Holocausto, afirmando que tais crimes devem ser atribuídos exclusivamente às forças alemãs de ocupação.

Na carta assinada pelas acadêmicos brasileiros, os signatários expressam preocupação com esse crescente movimento negacionista na Europa:

“Como tantos outros colegas de universidades de diversos países e instituições acadêmicas dedicadas à pesquisa do Holocausto, e de instituições e organismos internacionais comprometidos com a liberdade de expressão, acreditamos veementemente que qualquer tentativa de restringir e/ou censurar o discurso acadêmico por meios escusos, como aprovar leis restritivas antidemocráticas que impedem o livre exercício do trabalho intelectual, é inaceitável. Ações desse tipo minam os esforços de acadêmicos sérios no afã de investigar o período do Holocausto e apresentar uma descrição confiável dos acontecimentos.”

Fenômeno global
O Café História conversou com o historiador Michel Gherman, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos propositores da carta. Ele explicou o que está acontecendo na Polônia e em outros países da Europa:

“O que acontece na Polônia não é algo somente local, mas é uma tentativa de governos de extrema-direita em controlar as pesquisas acadêmicas e historiográficas em seus respectivos países. Na Polônia, o tema do Holocausto ainda é visto como tabu, principalmente a participação de poloneses em acordo com os nazistas no sentido de matar judeus. Quando se escreve sobre isso, o historiador passa a ser visto como traidor da pátria. Por isso, eles estão proibindo ou tentando proibir pesquisas sobre a participação de poloneses como aliados dos nazistas. Mas não é só na Polônia. No Brasil, a extrema-direita vê como tabu a ditadura militar, a escravidão e outros temas muito profundos da nossa história. Nos posicionarmos agora contra a proibição de estudos acadêmicos em solidariedade aos historiadores poloneses é, na verdade, nos posicionarmos para que o mesmo não aconteça aqui no Brasil”.

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