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Museu de grandes novidades – Atropelos e armadilhas na consolidação, simplificação e desburocratização de normas trabalhistas e o Prêmio Nacional Trabalhista

No dia 21 de janeiro, o Ministro de Estado Chefe da Casa Civil tornou pública minuta de decreto que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas e o Prêmio Nacional Trabalhista, com prazo de encerramento em 19 de fevereiro.

A minuta não é uma mini ou nova Reforma Trabalhista, mas segue a lógica da Lei nº 13.467/2017, ao prever dentre seus objetivos a redução dos custos empresariais (art. 4º, I). Também estabelece a prevalência da livre iniciativa e do livre exercício de atividade econômica em desfavor dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras, tendo como norte a Lei nº 13.874/19, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Chama atenção a criação de um Programa Permanente de Consolidação, “Simplificação” e Desburocratização das Normas Trabalhistas em desacordo com a Lei Complementar nº 95/88, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis e estabelece regras para a consolidação dos atos normativos.

A LC, por exemplo, não incluiu a possibilidade de “modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados” (art. 13, parágrafo primeiro). Portanto, o que seria simplificação e desburocratização no contexto de consolidação de normas infralegais?

Os objetivos enunciados revelam orientação por privilegiar a liberdade econômica, a redução de custos, a limitação da atuação fiscalizadora e o controle sobre o que chamou de “excessos” da ação do Estado. Nada disso se refere à simples consolidação de normas. Portanto, o problema não está apenas no presente, com a revogação de portarias e decretos antigos ou repetitivos, para incorporar seus textos esparsos, em único texto consolidado. O problema do Programa está na sua intenção. Ela colide com a técnica determinada na Lei Complementar nº 95/88.

A busca por segurança jurídica na lógica desenvolvida em todo o texto (art. 4º, II, da minuta) desconsidera a segurança jurídica das pessoas trabalhadoras. A segurança jurídica para quem trabalha é saber se tem um contrato de trabalho, quantas horas vai trabalhar e quanto receberá ao final do mês. E que esse valor não seja inferior ao valor do salário-mínimo mensal. A desconexão entre o salário mensal e o número mínimo de horas de trabalho promovida, por exemplo, pelo contrato intermitente, causa insegurança jurídica. A precariedade promovida por outras formas de contrato e a liberalização da terceirização são outros fatores de insegurança jurídica para a força de trabalho, mas esse lado da moeda não importa ao governo.

A expressão “moderno” (art. 4º, III) também ganhou conotação de prevalência da liberdade econômica contra os direitos sociais consagrados na Constituição e que, na visão do governo, são examinados apenas sob o ponto de vista do custo. A pergunta que deveria ser feita não é quanto custam os direitos, mas sim quanto custaria socialmente para o país que a maior parte da população não tenha direitos (socialmente quer dizer fome, marginalidade e violência).

Há, ainda, a correção de “excessos da atuação estatal” como objetivo geral de um programa de governo (art. 4º, IX). O inciso está em confronto direto com o texto constitucional e com as obrigações positivas da promoção e valorização do trabalho humano e das diretrizes da Organização Internacional do Trabalho, marco regulatório nacional e internacional que vincula o Brasil ao tema do trabalho decente.  

Por fim, convêm destacar a ausência de participação social, que, no texto todo do decreto, é mascarada pela suposta ampliação do diálogo social ao afastar o tripartismo clássico das relações de trabalho.

As consultas públicas são, obviamente, forma de dar transparência aos atos e devem ser realizadas. Porém, não substituem e não podem substituir o papel do diálogo social promovido pelo tripartismo em matéria de relações de trabalho. Há necessidade de se estabelecer, conforme recomendação da Organização Internacional do Trabalho e em especial Convenção nº 144, ratificada pelo Brasil, procedimentos de consulta aos representantes sindicais de trabalhadores e empregadores, que, nos termos da Lei nº 11.648/2008, são as Centrais Sindicais, abrindo-se, ainda, para quaisquer organizações sindicais se manifestarem. A consulta pública não supre o rito das consultas às organizações sindicais representativas.

Aqui, novamente, a ausência da referência expressa às entidades sindicais é reveladora do tratamento dado pelo governo ao tema do diálogo social e do tripartismo nos temas afetos ao mundo do trabalho.  Consulta pública direta; ausência da participação dos sindicatos expressamente na fiscalização; ausência de consulta e participação efetiva do Conselho Nacional do Trabalho.  

O resultado dessa consulta pública será debatido no Conselho Nacional do Trabalho? 

O CNT foi criado para estimular os debates tripartites entre governo, representantes dos trabalhadores e representantes dos empregadores em assuntos relacionados ao trabalho. Medida que deveria pôr em prática o diálogo tripartite, conforme compromisso internacionalmente assumido pelo Brasil, que ratificou a Convenção nº 144 da OIT.[1]

Situação idêntica está ocorrendo também em relação à Comissão Tripartite Paritária Permanente – CTPP, quando se coloca em consulta pública proposta de portaria[2] que disciplina procedimentos, programas e condições de segurança no trabalho, afrontando a existência da Comissão ao negar o debate tripartite sobre segurança e saúde do trabalhador.

Ou de fato o CNT e a CTPP servem como órgãos consultivos, ou não têm nenhuma função. As consultas públicas, com prazo exíguo, aliás, são exemplos práticos de um governo que não privilegia o diálogo social.

A minuta de decreto, na verdade, constitui um novo “museu de grandes novidades” do governo: uma proposta desconectada com a realidade atual, que demanda medidas de enfrentamento da crise econômica e sanitária, com o fim de garantir empregos e renda à população; o moderno que não inova e apenas beneficia as empresas; a participação social sem a participação direta das entidades representativas dos trabalhadores e trabalhadoras.

“Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades.”[3]

Brasília e Campinas, 8 de fevereiro de 2021.

por LBS Advogados

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