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Mudança de cálculo para repasse de verbas do Governo Federal ao SUS pode prejudicar população mais carente

O atual ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou no começo do mês, durante evento oficial para lançamento da Campanha do Outubro Rosa 2020, que “não sabia nem o que era o SUS”, antes da pandemia. No entanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) mostrou a sua importância justamente no momento em que o mundo precisou lidar com a saúde de todos de forma igualitária. Só que agora, duas medidas que foram tomadas na gestão de Jair Bolsonaro podem restringir o acesso à saúde de qualidade ou sucatear o sistema de atendimento gratuito.

No final de 2019, a reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) aprovou a nova política de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), voltada exclusivamente à Atenção Primária em Saúde (APS). O repasse de recursos do Governo Federal (GF) passou a ser feito através do número de pacientes cadastrados nos municípios e o desempenho a partir de indicadores, como qualidade do pré-natal, controle de diabetes, hipertensão e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). A mudança também passa a considerar a vulnerabilidade socioeconômica dos pacientes, através de dados do Bolsa Família, presença maior de crianças e idosos na região e distância dos municípios dos grandes centros urbanos.

A inscrição dos moradores da cidade no cadastro do SUS, através do Cartão Nacional de Saúde (CNS), impacta diretamente nas verbas repassadas para os gastos com saúde do município. Esses recursos garantem a continuidade do atendimento nas unidades de públicas de saúde e gastos com distribuição de vacinas. Antes, o repasse de verbas para montagem das equipes de saúde eram feitos com base na população total estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O advogado Thiago Campos, especialista em Direito Sanitário e Gestão de Saúde Pública explica que o cadastro da população no Sistema Único de Saúde (SUS) é necessário para o Governo Federal estimar os recursos financeiros que serão enviados às prefeituras.

“Leva em consideração não mais a população via IBGE, mas a população cadastrada. É isso que muda, então o esforço para cadastrar é para que eu possa manter o que eu tenho, por exemplo, imagine que tem municípios que a população cadastrada vai impactar no número total de equipes que eu já tenho habilitada. Um município que tem atendimento a 100% de cobertura se não cadastrar 100% da população vai perder equipes, vai ter que desabilitar equipes, vai encerrar serviços, rescindir contratos com profissionais para ele continuar ou vai ter que arcar sozinho com o financiamento”, explica o especialista em Direito Sanitário, Thiago Campos.

Mais de 2 milhões de moradores da capital baiana já realizaram o recadastramento obrigatório do cartão do SUS, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS). No entanto, a população da capital baiana no IBGE é de 3.859,44, o que preocupa o jurista.

“Em Salvador como a gente não tem uma cobertura próxima sequer de 100%, está na casa de pouco mais de 50%, o que vai acontecer é impedir o alcance de uma cobertura universal, de uma cobertura territorial plena porque você não vai conseguir o cadastramento de toda a população e isso vai diminuir o número de equipes que você vai poder co-financiar, receber recursos da união para isso e aí você vai ter uma redução da cobertura em Salvador, por exemplo”, aponta Thiago Campos.

Assim, uma cidade que não conseguir cadastrar todos os habitantes, ou tiver dificuldade pela extensão do município, escassez de agentes ou a própria pandemia, terá o recebimento de uma verba que não condiz a realidade local. Também é importante pensar que cidades com alguma emergência sanitária serão penalizadas. Então, a mudança no cálculo, ainda mais em um momento de pandemia, pode ocasionar a dificuldade de acesso à educação de populações mais carentes de municípios mais pobres.

Redução de verba no SUS para 2021

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para próximo ano, divulgado em agosto, pelo presidente Jair Bolsonaro prevê redução no orçamento para a Saúde, em 2021. Dados do Sistema de Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) apontam que os municípios paulistas destinam, em média, 27% dos recursos próprios para ações e serviços de saúde (quase o dobro previsto na Lei Federal nº 114/2012).

Estima-se que em 2021 o orçamento do GF para a Saúde voltará a exibir cifras que teve em 2017, uma estimativa de redução de R$ 35 bilhões, na comparação com o orçamento atual. Sem vacinação, o ano de 2021 ainda é incerto quando se fala em Saúde, sendo que um orçamento retrógrado pode vir a acarretar o processo de sucateamento do serviço.

Negros são maioria entre os usuários do SUS

Aproximadamente 80% dos negros (soma de pretos e pardos) utilizam o SUS no Brasil. Essa também foi a população que ficou mais vulnerável à doença, segundo levantamento Epicovid-19, coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em parceria com o Ministério da Saúde. O estudo apontou que 1,7% dos brasileiros autodeclarados como pardos e 1,2% dos autodeclarados como pretos foram contaminados, enquanto entre os brancos, a contaminação ficou em 1,1% do total. Os negros possuem quase o dobro de chances, em comparação que uma pessoa branca, de contaminação com a Covid-19.

Uma análise científica das mortes registradas na cidade de São Paulo até abril deste ano, pelo grupo de cientistas Observatório Covid-19 e a Prefeitura da cidade, concluiu que os pretos moradores que vivem na cidade têm uma chance 62% maior de morrer por Covid-19 do que os brancos. Os pardos têm 23% mais risco.

Thiago Campos aponta o quanto é importante defender o SUS, tendo em vista que a Constituição brasileira garante acesso à saúde como um direito de cada cidadão.

“Apenas 25% da população tem acesso a plano de saúde ou seja 3/4 dessa nossa população brasileira dependem exclusivamente do acesso ao Sistema Único de Saúde e formas totalmente desproporcional contudo o percentual de leitos de UTI disposição desse 25% da população que tem plano de saúde é de 56% no total, ou seja, 3/4 da população lutam para ter acesso a apenas 44% da totalidade dos leitos. Isso nos dá o contorno necessário para dizer que é preciso reafirmar o nosso projeto político aprovado na Constituição de 1988. Lembrar que a garantia desse direito à saúde se dá mediante acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção prevenção e recuperação”, defende o jurista.

Via Notícia Preta

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