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Reforma administrativa do governo é fiscalista e autoritária, escreve Dirceu

Adota-se cegueira proposital

Judiciário manterá privilégios

O ministro Paulo Guedes (Economia) foi 1 dos defensores da manutenção do teto de gastos entre os membros do governoSérgio Lima/Poder360 – 16.mar.2020

JOSÉ DIRCEU
15.set.2020 (terça-feira) – 6h00

Por trás de medidas necessárias como o veto a férias de mais de 30 dias, proibição de promoções e progressões por tempo de serviço e fim da aposentadoria compulsória, o verdadeiro objetivo da proposta de reforma administrativa é fiscalista, abre portas para a total captura do Estado ao propor o fim da estabilidade que garante a independência das carreiras estratégicas.

Aqui, num final de semana pós-operatório, me preparei para escrever sobre a proposta do governo de reforma do serviço público, se é que se pode chamar assim uma reforma que só visa o caixa do governo, cortar gastos com o serviço público e manter o famigerado teto de gastos, a austeridade sem reformas estruturais. Dói mais que a cirurgia ver o descalabro governamental e o bate cabeças no núcleo do governo, sem rumo e norte, não apenas com relação a pandemia, mas, principalmente, sem projeto de desenvolvimento nacional, sem estratégia para além da decantada e fracassada política de austeridade e privatizações, como comprovam os casos da Argentina, onde as urnas a condenaram, e o Chile, o Equador e a Colômbia, países em estado de sublevação popular.

No Brasil, insistimos em falácias sobre lutar contra privilégios quando a proposta de reforma administrativa do governo não alcança os procuradores, os militares e a magistratura, esta exatamente onde os super salários e os privilégios vicejam acima do teto constitucional impunemente e onde as famosas vendas de férias em dobro e aposentaria compulsória permanecerão. No fundo, trata-se de dar poderes ao executivo, no caso vocacionado ao autoritarismo, para o controle do serviço público sem peias e amarras legais, e de por fim à estabilidade que garante a independência das carreiras estratégicas do Estado.

Hoje, mesmo com a vigência da estabilidade, o atual presidente na prática capturou o Coaf, a Receita Federal, a Policia Federal e o Ministério Público Federal, além de deter o controle da AGU e CGU, e tentou colocar de joelhos o STF. Sem a estabilidade e com poderes para extinguir órgãos públicos como a reforma administrativa do governo propõe, o que teremos é exatamente a total captura do Estado por uma facção político-partidária e de extrema direita, fundamentalista e religiosa, obscurantista. Só não vê quem não quer.

DISTORÇÕES NAS CARREIRAS

Que a reforma do serviço público é necessária não há dúvidas, da mesma forma que é urgente por fim aos privilégios e criar regras que garantam a transparência da administração pública e seu controle social. Mas é necessário esclarecer a verdade dos fatos. Os dados mostram dizem que 33% dos servidores públicos são das áreas de saúde e educação, se acrescentarmos a essas áreas os servidores da segurança pública veremos que praticamente a metade está vinculada a atividades essenciais. São funcionários que precisam ganhar mais e ter mais oportunidades de qualificação profissional, já que 50% recebem menos de R$ 2.700 ao mês. Só nos municípios temos 2,6 milhões de servidores na área da educação, o dobro do total de servidores federais. Enquanto 75% dos professores, médicos e policiais ganham menos R$ 5 mil, no Judiciário 85% ganham acima dessa faixa. Carreiras como as de auditores da Receita, advogados da AGU, policiais federais no início já ganham acima de R$ 21 mil reais; magistrados estaduais ganham, em média, R$ 48.800 e há estados onde esses vencimentos com penduricalhos e venda de férias chegam a R$ 100 mil.

Há que se destacar que o crescimento do número de servidores se deu especialmente em nível municipal – nos municípios estão mais da metade dos funcionários públicos – em função da descentralização administrativa dos serviços públicos após a constituição de 1988, basicamente nas áreas da saúde e educação. Das 250 mil vagas abertas nas gestões petistas no governo federal, 60% se deram na área da educação, em universidades e institutos federais.

O governo não esconde seu objetivo de extinguir órgãos como o Incra, Funai, Ibama e ICMBio, de retirar o Estado das políticas públicas e de enfraquecer o serviço público como fica claro na proposta de mudar o princípio de subsidiariedade no serviço público – hoje, a participação da iniciativa privada é a exceção. Por trás de medidas necessárias como o veto a férias de mais de 30 dias, proibição de promoções e progressões por tempo de serviço e fim da aposentadoria compulsória, o verdadeiro objetivo da proposta de reforma administrativa é fiscalista e autoritário. Nada para democratizar os concursos públicos hoje super elitizados; nada de iniciativas para permitir que jovens de baixa renda ingressem no serviços público no nível médio e auxiliar em áreas onde avança a digitalização e de utilizar o exemplo do Enem para acesso da juventude ao serviço público, faixa etária onde o desemprego e maior e as oportunidades menores.

CEGUEIRA CONVENIENTE

Mais grave é a cegueira da proposta de reforma administrativa em relação à gestão dos recursos humanos sob controle de um super ministério da economia. Sua gestão deveria estar subordinada a um ministério específico e ser prioridade do Executivo, assim como a reforma deveria priorizar a inovação, a ciência e a tecnologia. Sem o desenvolvimento dessas áreas não haverá futuro para o país, com consequências nefastas para uma nova política industrial em um mundo em desglobalização e pós-pandemia. A proposta também desconsidera uma área sensível e urgente como a de segurança pública, não trata da reforma das polícias civis e militares, não propõe a criação do ministério da segurança pública, de uma autoridade nacional contra o narcotráfico, de uma Guarda da Fronteira, nem trata da reforma do sistema penitenciário. Sem esses elementos, especialmente a reforma do sistema penitenciário, nenhuma política de segurança será exitosa.

Além de apresentar uma proposta de reforma administrativa fiscalista e autoritária, o governo ignora a necessidade urgente de uma reforma política e do sistema financeiro-bancário e nos apresenta uma tributária que mantém a concentração de renda, sobre as quais já escrevi aqui. Os números não mentem.

Hoje, com a Selic de 2% ao ano e um INPC Fipe em média de 0,17% mensal, a média de juros é 5,7% para uma Selic mensal de 0,15%, de acordo com os dados da Anefac. A média dos juros da pessoa física no comércio é de 4,68% ao mês; no cartão de crédito chega a 11,09%; e os juros no crédito no bancos é de 3,16% na pessoa física e de 2,93% na pessoa jurídica (estamos falando de 41,42% no ano).

Se compararmos a Selic com os juros, nos damos conta onde reside o grande nó que impede o crescimento do país. Pagamos 567,5% a mais do que a Selic no capital de giro, 697% na duplicata e 5.545,5% na conta garantida. Não é preciso dizer mais nada.

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