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O que fazer quando o presidente não lidera?

Não dá para contar com Bolsonaro para uma ação coordenada para o contra-ataque ao novo coronavírus

O maior equívoco do presidente Bolsonaro não é o de que pense diferentemente da Organização Mundial da Saúde (OMS), da maioria dos infectologistas e da opinião majoritária no País sobre a melhor maneira de enfrentar a pandemia.

É o de não atuar como chefe de governo. Em vez de unir o País, optou pela ruptura. Quando se refere ao vírus, ignora sua gravidade. Classifica-o como agente que não produz mais do que uma “gripezinha”, um “resfriadinho”. E desdenha do sofrimento da legião de infectados e das mortes que tendem agora a aumentar. Prefere dizer que o povo está acostumado a se meter no esgoto sem apanhar doenças.

Mas, ainda assim, poderia defender tratamento diverso do adotado pela maioria dos governadores e prefeitos. Mais do que promover procedimentos recomendados pelos especialistas, teria de tomar a iniciativa de conduzir um debate responsável. Mas preferiu desancar quem não pensa como ele.

Está mais do que na hora de entender que não dá para contar com o presidente para uma ação coordenada para o contra-ataque ao flagelo. Se isso é assim, o que fazer com ele?

Já houve quem sugerisse sua interdição, sem dizer como se faz isso. Não haveria sentido apresentar um atestado subscrito por meia dúzia de especialistas e internar o presidente, sabe-se lá em que condições. Também apareceram propostas de colocar em marcha um processo de impeachment, procedimento normalmente demorado, sujeito a complicados trâmites políticos e judiciais, portanto inviável.

A prática começa a sugerir outro tipo de saída. Sem partir para a truculência, governadores, líderes do Congresso, juízes do Judiciário e até mesmo membros do governo, como no pacote de crédito de sexta-feira, começam a atuar de maneira autônoma. Contra a palavra de ordem de que “o Brasil não pode parar”, governadores e prefeitos, por exemplo, ordenaram o recolhimento da maior parte da população, o fechamento de escolas e do comércio não essencial. E, independentemente de ideologias e de filiação partidária, têm se reunido para coordenar políticas. Autoridades do Judiciário passaram a vetar algumas das decisões descabidas do presidente, como o artigo de medida provisória que restringiu a Lei de Acesso à Informação. E, sem chutar o pau da barraca, o Legislativo e outros setores do governo vêm preparando e aprovando medidas destinadas a reduzir o sofrimento da população e a paradeira das empresas.

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Revista britânica The Economist comparou o presidente Bolsonaro a Nero, imperador romano que assistiu ao incêndio de Roma sem fazer nada Foto: Marcos Müller/Estadão

A solução de confinar politicamente o presidente, de deixá-lo falando sozinho, entregue à lira de Nero – como aponta a última edição da revista The Economist –, não é evidentemente a ideal. Ele continua pilotando uma caneta poderosa, continua sendo o editor do Diário Oficial e tem lá uns 20% de seguidores que o apoiam ferozmente nas redes sociais.

Vai, também, que não será preciso isolar politicamente o presidente. A pandemia pode acabar por bater tão implacavelmente o Brasil, como preveem especialistas, que não sobrará saída técnica senão o confinamento. Mas se não foi capaz até aqui de liderar o País na guerra contra o vírus, também não será capaz de liderar depois que tudo der errado, como deu errado na Itália e na Espanha.

Celso Ming, O Estado de S.Paulo

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