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Ódio e fascismo não vão impedir o PT de se reerguer, diz Lula ao Libération

GOLPE NÃO

 

Lula diz ao jornal francês: “minha única crítica é que a Justiça parece mais preocupada em satisfazer a imprensa do que investigar corretamente. Ainda que a pessoa seja absolvida, ao final, pelos tribunais, ela já está condenada pela opinião pública”A edição de hoje do Le Libération, um dos mais importantes jornais da França, traz na capa “o presidente mais popular da história do Brasil”, o mesmo que a mídia tradicional um dia sim e outro também insiste em difamar para, inutilmente, tentar diminuir sua importância para a maioria dos brasileiros – em especial os mais pobres.

 

Lula se encontra “em meio a um turbilhão”, escreveu a correspondente dom jornal em São Paulo, Chantal Rayes, referindo-se ao golpe parlamentar que tenta derrubar “a pupila” de Lula, Dilma Rousseff.

Lula não deixa pergunta sem resposta. Continua convicto de eu a realização das Olimpíadas no Brasil apenas dois anos depois do País sediar a Copa do Mundo, não só deixará um legado de melhorias para a população, como também “vai encantar os milhares de estrangeiros que virão aos Jogos”.

“O Brasil precisa se mostrar como um grande país, capaz de organizar esse tipo de evento. Por mais que se critique esses eventos, essas competições são oportunidades de fazer propaganda do país, ainda que também chamem a atenção para os nossos problemas. Isso não nos assusta, não há necessidade de esconder nossos pobres, nem de retirá-los das ruas, como fazem alguns”, afirmou o ex-presidente, em referência à ação da prefeitura do Rio de Janeiro, que desalojou favelas sob a justificativa oficial de abrir espaço para as obras olímpicas.

A realização dos Jogos pela primeira vez em um país da América do Sul, contou Lula na entrevista, foi resultado de muito trabalho.

“O Celso Amorim (ex-ministro das Relações Exteriores) tratava do assunto Olimpíadas em todas as reuniões com seus colegas diplomatas. Eu mesmo tratei do assunto pessoalmente com inúmeros governantes estrangeiros, sobretudo latino-americanos, asiáticos e africanos, pedindo votos para o Rio”, revelou Lula, lembrando a “faz excepcional, histórica” que o Brasil vivia em 2009. “Éramos a coqueluche. Nossa economia estava em pleno crescimento, nós sonhávamos em ser hexacampeões da Copa. O mundo acreditou em nós”. (…) “A vitória do Rio foi emocionante e inédita. Foi um dos dias mais importantes da minha vida. Via as imagens de Copacabana, as pessoas chorando de emoção. Foi extraordinário.”

A repórter instigou o ex-presidente: “Mas não haveria outras prioridades para um país ainda em desenvolvimento?”

Na lata, ele respondeu: “Seria o mesmo que dizer que os Jogos Olímpicos e a Copa só poderiam ser realizados nos Estados Unidos, na França ou na Alemanha! Esses eventos não são exclusividade dos países ricos, que deveriam ajudar financeiramente os países pobres a receber essas grandes competições”.  E continuou: “Essas são oportunidades de desenvolvimento para um país, de receber investimentos, de deslanchar novos projetos. Conquistar a realização dos Jogos Olímpicos foi extraordinário para o Brasil, exatamente por que nos resta ainda tanto a fazer. Nós conseguimos atrair investimentos que não possíveis em outras circunstâncias.”

Siga as demais perguntas e respostas da entrevista:

Libération: Que legado deixarão os Jogos Olímpicos?

Lula : Vão deixar um legado extraordinário para o Rio, tanto esportivo quanto de infraestrutura de transportes. É importante que, uma vez terminada a competição, os governos garantam que as obras beneficiem a toda a população. O governo federal colocou muito dinheiro nos Jogos Olímpicos. Há uma grande ingratidão do prefeito do Rio [Eduardo Paes, PMDB] com a presidenta Dilma, defendendo o impeachment.

O Brasil vive atualmente uma profunda crise econômica, social, política e moral. Qual a responsabilidade de seu partido nesse quadro, após 13 anos no governo?

Há uma crise geral e o Brasil não foi poupado. Os Estados Unidos não conseguem alcançar as taxas de crescimento esperadas. A China desacelera. A Europa está em crise por causa do Brexit [decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia] e dos refugiados. Ninguém quer acolher os pobres, quando são os países ricos que promovem as guerras e fabricam as bombas. Os mesmos países que hoje defendem o livre comércio foram os primeiros, em 2009, a implantar barreiras protecionistas, quando estava na ordem do dia liberalizar o comércio como forma de combater a crise financeira.

A crise no mundo também é de natureza moral, e não apenas de caráter econômico ou político. No Brasil, há um processo de luta contra a corrupção [a Operação Lava Jato] que nossos governos apoiaram. Porque fomos nós que investimos muito no aparelhamento da Polícia Federal e nas instituições de controle, como a CGU. Fomos nós que concedemos a maior autonomia ao Ministério Público, maior até do que está previsto na Constituição.  Minha única crítica é que a Justiça parece mais preocupada em satisfazer a imprensa do que investigar corretamente. Ainda que a pessoa seja absolvida, ao final, pelos tribunais, ela já está condenada pela opinião pública.

No plano econômico, que erros os senhores [o governo, o PT] cometeram?

Ao final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, o desemprego ainda estava baixo [6,5 %, contra 11,2 % no final do último abril]. Ela tinha conseguido manter o emprego e também as políticas sociais. Mas era necessário continuar a investir e o caixa do governo estava vazio. Dilma reconhece que sua política de exonerações fiscais às empresas, que reduziu a arrecadação, foi longe demais. Entre 2011 e 2015, o Estado renunciou a cerca de R$ 500 milhões em receitas. E, o mais grave, sem exigir contrapartida do empresariado. Os investimentos necessários para a criação de empregos não foram realizados.

Depois da reeleição de Dilma, uma outra forte crise política paralisou a economia. Os empresários perderam a confiança, os bancos pararam de emprestar. Dilma não conseguiu que o Congresso aprovasse as medidas que ela considerava necessárias. Para equilibrar as contas, foi preciso reduzir as despesas, mas o Parlamento agiu no sentido contrário, aprovando propostas que aumentavam os gastos. O Legislativo inflou a crise até que se consolidasse a ideia de golpe.

Michel Temer, atualmente presidente interino, é um golpista?

Foi o Parlamento que deu o primeiro passo do golpe, ao aceitar a abertura do processo de impeachment. É bem claro, também, que se tratou de um julgamento estritamente político, já que a vítima não cometeu crime de responsabilidade, fator necessário para que se abrisse o processo.

Em um regime parlamentarista, o voto de desconfiança seria aceitável. No regime presidencialista, isso não é possível. Coube ao Senado desfechara segunda etapa do golpe, ao aceitar julgar uma pessoa que não cometeu crime de responsabilidade. A partir daí, Dilma foi afastada para aguardar o julgamento. É aí que ocorre o golpe de Michel Temer. Ele é constitucionalista, ele sabe que não há crime de responsabilidade. Na condição de interino, caberia a ele apenas reunir os ministros de Dilma e coordenar as políticas em curso. Mas ele age como se o impeachment já tivesse sido decidido, demitiu desde o ministro da Fazenda até o garçom que servia o café. É como se você me emprestasse sua casa para eu passar férias e descobrisse, ao voltar, que eu tinha vendido a casa. Como se Dilma não existisse mais. Como se Temer não tivesse jamais feito parte de seu governo, embora seja seu vice-presidente há cinco anos. Ele participou das reuniões, ele discutiu com a presidenta, com os ministros. E agora quer desfazer tudo. Ele se mostra muito açodado. Ele deveria ser mais prudente. Muita coisa ainda pode acontecer…

O senhor acredita na volta de Dilma?

Se eu não acreditasse, não faria mais política. A legislação permite que ela retorne. Dilma depende apenas de seis votos no Senado. Isso não é difícil de conseguir.

Mas, se ela voltar ao governo, seus adversários vão deixa-la governar?

A política é a arte do impossível. Eu acredito na democracia, na capacidade de persuasão. Para que o Brasil resgate sua credibilidade no mundo, é necessário restabelecer o mandato de quem foi eleita democraticamente por 54 milhões de brasileiros.

O senhor se arrepende de tê-la escolhido para sua sucessão, como afirmou o ex-presidente Sarney em uma conversa telefônica grampeada e vazada?

Sarney me obriga a desmenti-lo. Eu não apenas indiquei Dilma, como a escolhi uma segunda vez, para a reeleição, e não me arrependo disso. Ela é uma companheira de grande valor, de grande qualidade. Trabalhei para que ela fosse eleita e reeleita. Eu confio em Dilma. Quando se governa, as decisões que se toma nem sempre atingem seu objetivo. Quando deixei o governo, disse que o sucesso de Dilma seria o meu sucesso e que seu fracasso seria meu fracasso.

Como ela fracassou, o senhor fracassou, também.

Não se pode dizer que Dilma tenha fracassado, já que ela ainda não terminou seu mandato. Faltam ainda quase três anos para isso, ela ainda vai realizar muita coisa. Desde a minha época de sindicato, eu digo que só serei julgado no último dia do meu mandato. Em 2006, ao fim do meu primeiro mandato como presidente da República, tinha gente que dizia que eu não seria reeleito. Mas eu tive 62 % dos votos. Meu segundo mandato foi infinitamente melhor do que o primeiro. Conquistei 87 % de aprovação e apenas 3% julgavam desfavoravelmente o meu governo, algo jamais visto na história do País. Até os adversários reconhecem isso.

Ao final de seu primeiro mandato, Dilma foi julgada pelos eleitores, que a reelegeram, apesar dos ataques da imprensa e das elites políticas e econômicas. Ela estava trabalhando para reanimar a economia. Se as medidas de austeridade tomadas eram boas ou más, é outra história. Ela tentou. Mas os partidos que estão agora no governo foram irresponsáveis, não permitiram que ela governasse. Tiraram proveito da situação política ruim, da recessão econômica. Eles derrubaram Dilma porque tiveram medo de seu sucesso. Ela teria feito um bom governo e faria seu sucessor.

O senhor vai se candidatar em 2018?

Vamos ver. Eu estou com 70 anos. A idade é implacável. Quero ver como estarei, até lá. Daqui até 2018, eu espero que emerja um nome novo na política. Eu já fui presidente. Agora, se existir alguma chance de retrocesso nas nossas políticas sociais, eu me reapresento para a disputa.

Esse risco existe?

Sim. O Brasil precisa compreender que os pobres são a solução para os problemas econômicos. Se você entrega 100 dólares a um pobre, ele não vai depositar esse dinheiro no banco, não vai investir em títulos do Tesouro. Ele vai correr para o supermercado para comprar comida. Foi o que fizemos com o Bolsa Família, com o crédito para a agricultura familiar e com o programa de microempreendedor individual. Quando se coloca um pouco de dinheiro na mão de um grande número de pessoas, isso aquece o comércio, que aquece a indústria, que estimula o desenvolvimento. Não precisa ser economista para saber disso.

Mas essa uma coisa à qual os economistas prestam menos atenção. Eles estão mais interessados no que dizem o FMI ou a banca internacional. A crise não seroa vencida até que se compreenda que uma microeconomia forte é a base de uma macroeconomia saudável. Mas se cortar os investimentos público, especialmente na área social, se se reduzem os salários, o País se enfraquece. As pessoas que conseguiram subir dois degraus voltam à estaca zero. Eu não acredito nesse modelo econômico.

E esse é o modelo de Temer?

Esse é o modelo disseminado pelo mundo.

Por que a esquerda não consegue se mobilizar para resistir ao que ela chama de “golpe”?

O problema não é mobilização. No fim da ditadura, em 1983, milhões de pessoas foram às ruas para exigir a volta da eleição direta para presidente, e nós perdemos. Não há milagres. Nos falatam seis votos no Senado para derrotar o impeachment. É preciso conversar com os senadores, saber o que os fará votar a favor do retorno de Dilma. E só ela pode conversar com eles. Ela precisa olhar esses senadores nos olhos e dizer o que pretende fazer quando retornar ao governo.

Os principais partidos da base dos senhores, inclusive o Partido dos trabalhadores, estão envolvidos no caso de desvio de dinheiro da Petrobras para financiar campanhas eleitorais. Por que seu partido, em vez de mudar a forma de fazer política, acabou por aderir aos métodos da direita?

Deixe eu contar uma coisa sobre a Lava jato. A delação premiada, que permite redução de pena em troca de colaboração com a Justiça, foi criada para que os acusados confessassem seus delitos. Agora todo mundo [os delatores] alega ter financiado campanhas eleitorais com propina. Fica parecendo que não existe dinheiro legal nas campanhas.

Em outubro, nas eleições municipais, vamos ter a primeira disputa eleitoral sem doações de empresas. Essa é uma medida defendida por muitos anos pelo PT. O partido vai voltar à realidade de suas origens: vamos ter que vender camisetas, bandeiras e estrelinhas, como nos anos 80.

A julgar pelo escândalo da Petrobras, os cofres do PT devem estar cheios…

Se o cofre está cheio, é bem fácil para o Fisco descobrir. A arrecadação de todos os partidos é muito parecida. Não se recorre aos desempregados, não se vai às favelas. Os partidos pedem dinheiro a quem tem, ou seja, aos empresários. É por isso que o PT defende o financiamento público de campanhas. É urgente uma reforma política.

Por que o senhor não colocou seu prestígio a serviço dessa reforma, quando estava no governo?

Em treze anos, nos apresentamos vários projetos de reforma ao Congresso. Mas a classe política, que trabalha por sua sobrevivência, não quer mudar as regras do jogo. Por esse motivo, eu falei, em 2004 ou 2005, da necessidade de uma Constituinte para cuidar exclusivamente dessa reforma. Ninguém quis isso. Eu vivo martelando com a juventude, em meus debates pelo Brasil: a única maneira de mudar a política é entrar na política. Não ficar do lado de fora criticando.

No último 4 de março, o senhor foi conduzido coercitivamente para falar de supostas vantagens que teria recebido de empresas implicadas no escândalo da Petrobras. A Justiça é independente ou age a serviço de interesses políticos?

Como cidadão e democrata, eu acredito na Justiça. Mas estamos assistindo a desvios no comportamento de certos membros do Poder Judiciário, que agem articulados com setores da imprensa. Eles parecem acreditar que uma acusação martelada na TV facilita a condenação. Agem seletivamente, os interrogatórios parecem espetáculos pirotécnicos. Já não se está mais em busca da verdade, das provas, mas da manchete de jornal. Por conta disso, a Justiça, a Rede Globo ou Selon ou a OAS vão ter que me dar o tal apartamento que eles dizem que é meu.

O senhor corre o risco de ser preso?

Eu não sei.

O que vai acontecer com o PT, que atravessa a pior crise de sua história?

A situação do PT é realmente muito ruim. Mas é importante destacar que nenhum outro partido vai se beneficiar dessa queda. Quando nós estávamos no auge, em 2010-2011, 32 % do eleitorado declarava preferência pelo PT. Agora, esse índice caiu para 12 %, mesmo patamar de 2002. Mas o PMDB e o PSDB continuam estacionados em 5 % ou 6 %. Eu acredito na capacidade de reação do PT. O ódio e o comportamento fascista não vão impedir o PT de se reerguer.

Talvez o PT devesse…

O partido precisa se explicar todos os dias, debater, sair às ruas. Nós não podemos nos esconder

Durante sua presidência, o Brasil manifestou ambições geopolíticas e se mostrou muito ativo no cenário internacional. Hoje, o ministro de Relações Exteriores interino, José Serra, afirma que conquistar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU—uma antiga reivindicação brasileira defendida pelo senhor—não é prioridade.

Para mim, a ordem geopolítica do pós-guerra não pode mais perdurar. As instituições de Bretton Woods, o FMI, o Banco Mundial estão ultrapassadas. Não há justificativa geopolítica para que a América Latina, a África, a Índia — assim como Japão e a Alemanha—não tenham assento no Conselho de Segurança da ONU. Se ele tivesse essa representatividade, não teria havido a guerra no Iraque ou na Líbia, nós já teríamos criado um Estado Palestino.

A França, a Rússia e a Inglaterra já se manifestaram a favor de assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos e a China são contra. O Conselho de Segurança é um clube de amigos que não quer convidar ninguém para sua festa. Se fôssemos aceitar as coisas como são, com a apenas cinco membros permanentes no Conselho, se aceitarmos obedecer os Estados Unidos…

Me dá pena ver o Brasil voltar a seu complexo de inferioridade, subordinando-se ao que pensam a Europa, os Estados Unidos ou a China. Eu quero saber o que eles pensam, mas também vou dizer a eles o que pensa o Brasil. Quero ser tratado de igual para igual. O Brasil precisa ter voz sobre seus interesses no mundo. Nosso potencial faz com que mereçamos ser respeitados pelos países ricos.

Tradução: Cyntia Campos

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