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A esmola na contramão da cidadania

 

Osvaldo Russo

 

Matéria no Correio Braziliense informa sobre a campanha ‘Cidadania sim, esmola não’,

lançada pela Administração Regional e o Conselho Comunitário do Sudoeste.

Há 20 anos, antes das atuais políticas sociais, como o Bolsa Família e o SUAS (Sistema

Único de Assistência Social), que viraram referência mundial, eram lançadas, no DF, as

campanhas ‘Em vez de esmola, dê cidadania’ e ‘Brasília diz não à exploração sexual de

crianças e adolescentes’. Na época, o GDF tinha implantado o Bolsa Escola, programa

pioneiro em associar educação e transferência de renda para as famílias mais pobres.

A concentração da terra, da renda e da riqueza constitui causa estrutural e histórica da

pobreza, da exclusão e das desigualdades sociais no Brasil e da consequente marginalização

de parte expressiva da população do processo de desenvolvimento. Naquela época, em

Brasília, o resultado mais visível era o número crescente de pessoas que faziam da rua o seu

meio de vida, apelando à solidariedade das pessoas ou mesmo explorando esse sentimento.

As crianças são as vítimas principais, submetidas ao risco das ruas, onde o hábito cultural

dos “de cima” que, na tentativa de ajudar os mais pobres ou “alugar um lugar no céu”,

acabam colaborando para a sua permanência nas ruas, oferecendo-lhes um apoio eventual

que não resolve o problema, mas ensina a ilusão de que é possível viver de esmolas.

Essa realidade exigia ação imediata do Estado e da sociedade, pois quem vive de esmolas

mal sobrevive desprovido de autoestima e dignidade. É preciso criar alternativas que

ofereçam apoio consistente e orientado, que não sirva ao conformismo e muito menos à

exploração. E que ofereça, a quem precisa, a oportunidade de vir a tornar-se cidadão.

A campanha ‘Em vez de esmola, dê cidadania’ visava estruturar ações de governo e da

sociedade civil com o objetivo de desestimular o oferecimento de esmolas na rua e coibir a

mendicância e sua exploração, especialmente no que se refere às crianças e adolescentes.

Na retaguarda dessa campanha estavam as ações da Assistência Social, enriquecidas pelas

parcerias com a Aliança Brasiliense pela Criança, que reunia o governo do Distrito Federal,

a Arquidiocese de Brasília, a Fibra, a Fecomércio, a CDL, o Unicef e a sociedade civil.

A campanha social apelava para que a solidariedade que motiva a esmola fosse canalizada

para outras atitudes que não alimentam a “economia de rua”, mas contribuem para uma

participação direta e orientada da sociedade na solução dos problemas sociais. Ou, como

disse o então cardeal-arcebispo de Brasília, Dom Freire Falcão, em artigo na imprensa, ‘é

melhor oferecer cidadania do que uma esmola fácil e descompromissada’.

A campanha sugeria que, em vez de esmolas, as pessoas fizessem doações financeiras ao

Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA) e doações diretamente às

unidades governamentais e não governamentais de assistência social. Outra e mais

envolvente alternativa para quem quer ajudar era “abraçar uma criança”, resgatando a

cultura de “apadrinhamento”. Pelo então telefone 1407 (SOS Criança), quem desejava

abraçar uma criança era orientado para apoiar uma determinada criança e sua família, com

nome e situação particular. Poderia conhecê-la e acompanhar seu desenvolvimento, dando

o apoio material necessário e, sobretudo, estimulando a autoestima familiar.

Com isso, o governo e sociedade faziam a sua parte, identificando, orientando e superando

a mendicância e punindo os exploradores. Queríamos que Brasília abraçasse a utopia de

uma cidade sem crianças, adolescentes e idosos nas ruas, onde as pessoas pobres fossem

dignas, não de pena e de esmola, mas de uma chance de serem cidadãs de direitos.

Anos após, no governo Lula, nos Ministérios da Educação e de Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, tivemos o privilégio e a satisfação de participar do desafio de inaugurar

uma nova agenda social no País, com a organização e implantação de uma nova geração de

políticas públicas, de Estado, que retiraram o Brasil do Mapa da Fome e promoveram a

maior ascensão social da nossa história. O DF, em 2014, além de ser reconhecido território

livre do analfabetismo, conseguiu superar a linha mundial da pobreza. Esmola não é

solução, é preciso manter e aperfeiçoar as políticas sociais como direito do cidadão.

 

Osvaldo Russo, estatístico, foi secretário de Inclusão Educacional do Ministério da Educação,

secretário nacional de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à

Fome e secretário da Criança e Assistência Social e secretário de Desenvolvimento Social do DF.

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