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Agricultura saudável é o melhor negócio

Sintonizada com a preocupação mundial com o efeito estufa e as mudanças climáticas, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Centro Rio+, realizou, nos dias 19 e 20 de novembro, no Rio de Janeiro, seminário sobre aquecimento global e agricultura familiar e camponesa, com a participação de especialistas e representantes dos movimentos sociais.

No Brasil, dados do Censo Agropecuário de 2006, do IBGE, apontam que a agricultura familiar, segundo conceito da Lei nº 11.326/2006, responde por 84% do número total de estabelecimentos agropecuários e por 24% da área total desses estabelecimentos. São 4,3 milhões de estabelecimentos familiares ocupando 80,1 milhões de hectares no país.

Dados de 2015 do INCRA indicam que os 9,2 mil projetos de assentamento de reforma agrária (quase um milhão de famílias) ocupam 88 milhões de hectares arrecadados. Segundo esses dados, existem 129 mil famílias acampadas, das quais 77 mil já estão inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais (Cadúnico) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Os 12,3 milhões de produtores e trabalhadores familiares brasileiros representam 74,4% do total de pessoas ocupadas no campo. Mesmo ocupando apenas ¼ da área total, a agricultura familiar/camponesa responde por 33% do valor total da produção agropecuária e 30% da receita total obtida pelos estabelecimentos agropecuários.

Apesar da elevada concentração fundiária, a agricultura familiar/camponesa responde por 83% da produção de mandioca, 69,6% do feijão, 45,5% do milho, 38% do café, 33% do arroz, 58% do leite, 59% dos suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos, 21% do trigo e 14% da soja, um dos produtos principais da pauta da exportação brasileira.

O perfil da produção agrícola brasileira, entre 1990 e 2013, tem se alterado bastante. Enquanto a produção de soja e milho, juntos, aumentou 86%, a produção de arroz, feijão e trigo diminuiu, respectivamente, de 14% para 6%, 4% para 1,5% e 6% para 2,3%. O agronegócio e o minério respondem por 68% das exportações brasileiras, que deveriam estar calcadas na agregação de valor e não na exportação de bens primários.

Isso pode ser explicado, entre outros fatores, pela elevação dos preços de algumas commodities, mudanças climáticas e controle dos recursos minerais. A manutenção dessa tendência, em relação à demanda mundial e ao aquecimento global, aponta para um colapso do modelo agrícola dominante, o que tornaria insustentável o agronegócio.

Condenar o Brasil a mero exportador de bens primários é seguir o velho modelo colonial-escravista, concentrador de terra e renda. As exportações de commodities agrícolas transformaram a alimentação em mercadoria, sem qualquer preocupação com o meio ambiente e a necessidade de alimentar as pessoas. A base de sustentação da agricultura familiar, a pequena propriedade, tornou-se guardiã da biodiversidade e do cumprimento pelo Brasil da meta do milênio de erradicar a fome e a extrema pobreza.

Hoje, a agricultura familiar/camponesa, apesar de significativa, não responde pela maior parte do consumo alimentar da população brasileira, sendo que 1/3 do número de total de estabelecimentos agropecuários familiares só produzem para seu próprio consumo. Entretanto, com o apoio necessário, é possível torna-la mais produtiva e estratégica para o abastecimento interno alimentar e o desenvolvimento agrícola sustentável.

Para isso, muito além do atual Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que tem se voltado mais para conceder crédito tradicional aos pequenos agricultores já estabelecidos, deveríamos também apoiar e viabilizar os assentamentos, incentivando o plantio de culturas básicas, ampliando a aquisição de alimentos para mercados institucionais e investindo maciçamente em infraestrutura, educação, capacitação, assistência técnica e agroindustrialização da agricultura familiar.

O desmatamento, a pecuária, a monocultura e o uso intensivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos têm contribuído fortemente para o aquecimento global. É preciso, ao contrário, combinar pesquisas e tecnologias aos saberes e experiências camponesas, como no Assentamento Capela, no Rio Grande do Sul, onde 60 famílias produzem arroz orgânico, garantindo sustentabilidade socioambiental ao desenvolvimento agrícola.

É preciso, assim, com base em nova agenda política, articulada com os movimentos sociais, destravar a reforma agrária, ampliar e qualificar os assentamentos, reformular a política de fomento e promover a transição para um modelo agroecológico de escala, garantindo a segurança alimentar, a soberania e a produção de alimentos saudáveis.

Osvaldo Russo, ex-presidente do INCRA, é estatístico e conselheiro da ABRA.

Artigo publicado no Jornal Brasil Popular – 26/11/2015

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