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Chico Vigilante critica gestão de Rollemberg: “Governo ainda não começou”

O deputado distrital é voz forte de oposição ao líder do Executivo local, mas faz uma ressalva: “Tenho ajudado mais do que a própria base aliada dele”.

Desde menino, ele adotou uma das máximas de São Francisco de Assis: “Consolar e ser consolado”. Na política, onde milita há 35 anos, prefere ser reconhecido como amigo das horas difíceis, ainda que lhe custe votos e duras críticas. Fez isso com Cristovam Buarque, José Dirceu e Agnelo Queiroz. “Apanhei muito por isso, mas não me arrependo. Faria de novo.” Francisco Domingos dos Santos chegou a Brasília, de ônibus, vindo de Vitorino Freire, no Maranhão. Orgulha-se de nunca ter “arredado o pé da Ceilândia” e de ser um dos fundadores do PT, ao lado de Lula. Minimiza o momento crítico pelo qual a legenda passa. Pragmático, acha que o partido não deve levar a ferro e fogo a ideia de concorrer como cabeça de chapa tanto para o GDF quanto para a Presidência. “O PT precisa ter humildade”. Deputado distrital de oposição, Chico faz duras críticas à gestão de Rollemberg, que para ele “não começou”. Mas diz não ser da ala “do quanto pior melhor” e arremata: “Quero que o governo dele dê certo. Senão, será um retrocesso para Brasília”.

Não saio da Ceilândia de jeito nenhum”
Eu tive oportunidade de sair da Ceilândia quando fui eleito deputado federal, em 1990. Tinha direito a um apartamento de quatro quartos na Asa Sul ou na Asa Norte. Qualquer pessoa ficaria tentada. Antes de ser eleito, eu disse para minha família : “Não vou sair daqui”. E a minha rua nem asfalto tinha. Eu continuo morando na mesma rua desde 1982, lá no P Sul, só fiz uma reforma na casa. As pessoas apostavam que eu ia sair, eu insisti em ficar. Se eu perdesse a eleição, teria que transferir os cacarecos de volta e os vizinhos iam dizer: “Tá vendo, o metidão foi pro Plano e agora voltou pianinho”. As amizades dos meus filhos estão ali, as minhas também. Queria mostrar que um deputado federal poderia ser eleito morando lá. Eu não saio da Ceilândia de jeito nenhum. Não há nenhuma hipótese. Quando eu desci na rodoviária de Brasília em 1977, vindo do Maranhão, nunca tinha visto um barraco de madeira. Eu morava na roça, em casa de palha, mas vi ali que as coisas na cidade grande eram muito piores.

O senhor é um dos fundadores do PT. Este é o momento mais crítico do partido em 35 anos?
Não. O PT já nasceu em crise. A primeira grande crise do PT aconteceu quando, ainda na gestação do partido, o então sindicalista Lula foi acusado de ter participado do assassinato de um proprietário rural no Acre. Lula foi indiciado pela Justiça Militar, foi condenado, houve recurso aqui pro Superior Tribunal Militar. No dia do julgamento, juntamos um mutirão para assistir à sessão. O curioso é que a gente só tinha dois paletós antigos, eu mesmo nunca tinha usado um. Usei o primeiro naquele dia. Aí combinamos que um entrava, assistia um pouco à sessão, e depois voltava para revezar com o colega. Estavam lá Teotônio Vilela, Fernando Henrique e outros. Quando chegou a minha vez, eu achei tão empolgante aquilo tudo que esqueci o compromisso. Só saí quase no final. Ficou todo mundo pau da vida comigo. Depois, teve um episódio quando Jose Genoino foi acusado de participar da morte de um trabalhador lá em Guaribas (SP). Mais uma condenação contra o PT. Em seguida, Luiza Erundina foi eleita prefeita, e o vice dela, Luiz Eduardo Greenhalgh, um dos homens mais respeitados deste país, foi acusado de corrupção. Mais tarde, aqui em Brasília em 1994, o caso da doação de 200 mil reais da Odebrecht, o mundo desabou no governo Cristovam. E nós ainda tivemos a “inteligência” de organizar uma vaquinha para pagar o dinheiro da Odebrecht. Não serviu para arrecadar, mas esticou por meses a crise na imprensa e provocou grande desgaste para o PT.

Mas hoje, na Operação Lava-Jato, muito se fala que essas doações, embora sejam declaradas, são uma espécie de lavagem de dinheiro. Naquela época, isso ocorreu?
Naquela época, foi pura campanha. Doação. Não foi caixa 2, não existia caixa 2. Nem foi registrado na Justiça Eleitoral.

Não foi? 
A Odebrecht? Acho que não.

Foi sim.
Pois é. Mas, nesse caso agora, todas as doações são legais. O que eu fico impressionado é com a capacidade… O dinheiro estava no mesmo balaio, o dinheiro veio da mesma fonte, que é das empresas prestadoras de serviço da Petrobras. Como é que o dinheiro doado para o PT é ilegal, e o dinheiro doado para o Aécio (Neves), do PSDB, é legal? Mas vamos à raiz do mensalão. Ele nasceu exatamente em Minas Gerais, com o (Eduardo) Azeredo. Foi ali que o (publicitário) Marcos Valério entendeu como mexia com essas coisas, ele aperfeiçoou, trouxe a ideia, o PT não deveria ter aceitado e aceitou. Agora, no processo do PT, já foram condenados, colocados na cadeia, a sociedade já os humilhou. E o Azeredo continua livre, leve e solto, com a possibilidade de o processo contra ele morrer, pelo prazo. Esse tratamento eu não aceito.

O PT não nasceu para ser um partido diferente? Quando se iguala aos outros, não é a morte?
Nasceu, mas a gente não conseguiu alterar as regras do jogo até hoje. Era romântico, achava fantástico quando a gente ia a feiras vender camiseta do PT, e as pessoas faziam fila para comprar. A gente levava uma tela, e as pessoas faziam fila para pintar a estrela do PT na roupa. Era romântico, só que daquele jeito a gente não ia ganhar a eleição nunca. Porque o financiamento, o jogo, está aí estabelecido. Quando a gente ganhou com o presidente Lula — e ele tinha a autoridade para mudar isso —, em vez de mudar, a gente resolveu entrar no financiamento igual aos outros. E essa foi a morte do PT. Fez mal para o PT.

A morte do PT?
Não, o PT não morreu e não vai morrer nunca. Estou dizendo que foi ruim para nós. Muito ruim. A gente precisava continuar denunciando. Falam do horário gratuito de televisão. Tem coisa mais cara do que horário gratuito de televisão? Tem coisa nenhuma. Campanha é cara. E cada vez encarece mais. Essa reforma que (o presidente da Câmara) Eduardo Cunha fez só vai eleger rico. Pobre está definitivamente descartado.

Dificilmente há outra pessoa em Brasília que tenha mais a cara do PT do que o senhor. O senhor não se envolveu em denúncia nenhuma, mas está sempre defendendo os “companheiros”…
Eu perco voto com isso. Só que eu aprendi uma coisa com a minha mãe, que era uma quebradeira de coco, uma personalidade muito forte. E ela me ensinou algo sobre solidariedade. Ninguém precisa de solidariedade quando está na festa. Precisa na hora da necessidade. Na hora que está preso, na hora que está sendo humilhado… Não quer dizer que eu concorde com tudo o que eles fizeram. Mas a solidariedade é fundamental, por isso que eu fui à prisão visitar o José Dirceu e não me arrependo disso. A política não pode ser o jogo em que você só quer ganhar e fazer demagogia para conseguir mais votos. Uma pessoa com a qual eu tenho o maior respeito, o Reguffe, veio com esta ideia de imposto zero para medicamentos. Eu cheguei para o governador Rollemberg e perguntei: “Você tem condição de abrir mão de arrecadação de R$ 300 milhões em impostos para o Distrito Federal?”. Porque é isso que vai custar esse imposto zero para os medicamentos: R$ 300 milhões a cada ano. Em vez de defender imposto zero para medicamentos, por que não fazer com que tenha remédio na rede (de Saúde), onde as pessoas mais necessitadas tenham tratamento contínuo, com o Estado pagando?

O senhor caracteriza isso como oportunismo?
Isso é uma forma de política… Todo mundo quer estradas e ruas pavimentadas, hospitais bem arrumados, escolas maravilhosas, mas ninguém quer pagar imposto. Na hora que fala em pagar imposto, ficam dizendo que a taxa de impostos no Brasil é a mais alta. Não é. Talvez os impostos daqui sejam menos fiscalizados e mal aplicados.

O senhor fala em solidariedade. O ex-governador Agnelo Queiroz terá a sua solidariedade,quando voltar?
Em relação ao governador Agnelo, quero pontuar as coisas boas que foram feitas. A coragem que ele teve de enfrentar o cartel do transporte coletivo e ter licitado e renovado a frota, ter pela primeira vez construído creches públicas no Distrito Federal, enfrentar a questão do lixo, ter dado aumento para o servidor público, porque ele é tratado como criminoso hoje porque deu aumento para o servidor…

Ele não exagerou? Esses aumentos não levaram o GDF quase à falência?
Não, não levaram o GDF à falência. Há governos que optam por fazer viaduto e outros que optam por melhorar a situação dos servidores. Agnelo fez os dois. Fez rodovias, recapeou mais de 3 mil quilômetros e aumentou o salário dos servidores. Eu não concordo, e tenho reclamado desde o primeiro momento com esta tese do governador Rollemberg de que o Distrito Federal está falido. Ela é inverídica. Ele dizia durante a campanha que dinheiro tinha. Faltava competência. Faltava gestão. Agora, eu tenho dito que tem dinheiro e falta gestão. E em alguns casos falta vergonha na cara de alguns dirigentes.

O governo pode chegar ao fim do ano sem conseguir pagar os salários dos servidores. Isso é má gestão?
Isso não foi o primeiro que aconteceu. Isso remete às pedaladas. Pedalada vem do tempo do governo Roriz, pedalada vem do tempo do governo Arruda. Teve pedalada no governo Cristovam, Agnelo e vai ter no governo Rollemberg. Isso é uma realidade.

Deixar conta de dezembro para pagar em janeiro…
Exatamente. Antecipação. Sempre foi feito. Não vai encontrar recursos. Eu ficava olhando o secretário de Saúde dizendo que não tinha dinheiro, mas o Orçamento da Saúde no Distrito Federal é de mais de R$ 5 bilhões. Faltam gerenciamento e competência.

Também faltaram no governo do PT, do ex-governador Agnelo?
Houve problemas de gerenciamento. Mas não houve um escândalo, daqueles que podem ser chamados de escândalo. Apontem um escândalo no governo Agnelo. Não tem.

Por que a popularidade dele chegou àquele patamar?
Faltou, acima de tudo, competência para divulgar o que fazia. A Secretaria de Comunicação do governo Agnelo foi um desastre. As pessoas que estavam lá não comunicavam nada. Há uma questão muito equivocada que eu vejo, especialmente aqui em Brasília, que as pessoas reclamam que o governo está gastando com publicidade. A comunicação é importante para uma nação, para uma população, é fundamental. Quando eu vejo alguém dizendo para cortar recurso de publicidade, eu vejo que é burrice. Isso é uma questão de visão do mundo, que muita gente não tem.

Na próxima eleição, já é possível a legenda se reerguer em Brasília?
Não estou pensando ainda na eleição de 2018. E não quero que o Distrito Federal afunde. Não sou daqueles que fazem política de quanto pior, melhor. Sou crítico, sou duro em relação ao Rollemberg, mas tenho ajudado mais do que a própria base dele, já disse isso para ele. Porque a gente tem que discutir as ideias. Quando chegar na hora da eleição, quero ver quem terá as melhores propostas. Não quero que o DF esteja destruído e eu ganhe a eleição em cima disso. Se eu ajudo na destruição, eu mesmo terei muito mais dificuldade na recuperação. Agora, é difícil colaborar com quem não quer ser ajudado.

Por que o senhor diz isso?
Dia desses, alguém me perguntou: “Que nota o senhor dá ao governo Rollemberg?”. Eu respondi: “Não dou nota nenhuma, porque o governo não começou. Quando começar, eu vou avaliar e dar uma nota”.

Falta o quê para começar?
Ele dizia que faltava gestão. E continua faltando. E faltando muito. O maior erro que ele cometeu foi chegar e pintar um quadro de terra arrasada, que o Distrito Federal estava à beira do caos. Quem está lá fora vai querer investir num lugar que é um caos? Claro que não. A circulação de renda parou, o DF deixou de render, e a crise aqui se apresentou maior do que a crise que temos no Brasil hoje, enquanto em estados os governadores estão fazendo diferente. O (governador de Goiás) Marconi Perillo, adversário do ponto de vista ideológico, porque é do PSDB, é um sujeito competente, e está fazendo uma gestão em Goiás pela qual o estado está crescendo.

Elogiar um tucano é raro, não?
Mas o que é verdade tem que ser dito. No Ceará, o governador, mesmo nesta crise toda, fez com que o estado tivesse um crescimento de 1,5%. Em Minas Gerais, o Pimentel está conseguindo…

Apesar desse problema que o senhor atribui à Comunicação, o ex-governador Agnelo já tem condições de andar em Brasília sem ser vaiado?
Sem dúvida. Vai andar na rua normalmente. As pessoas precisam aprender a respeitar os outros. Vaia, xingamento, baixaria não levam a absolutamente nada.

O PT tem apanhado muito, inclusive com vaias e xingamentos.  O senhor, em algum momento, se sentiu constrangido, notou algo direcionado ao senhor?
Ando sozinho e livremente, sem ser incomodado.

Ao contrário da presidente Dilma?
Há algumas coisas aí. A presidente Dilma ganhou uma eleição num país eminentemente machista, um país onde a mulher não votava até a década de 1920; que, para se deslocar de um estado para outro precisava ter autorização do marido; que para trabalhar precisava de autorização também… Quando uma mulher rompe com tudo isso e chega à Presidência da República… Tem a questão de ser mulher, de ser guerrilheira, dizem que é muito dura… Acumulando tudo isso…

E ela é muito dura?
Eu acho que tinha de ser mais ainda.

Parte dessas críticas a Dilma seria fruto de preconceito? 
Tem muito de preconceito por ela ser mulher. Temos também uma crise generalizada. As pessoas no Brasil estavam acostumadas com um patamar de consumo e agora têm que comprar menos, passear menos. Tem também a questão da energia que disparou. Só que a Dilma diminuiu o preço em 20%. Se ela não tivesse diminuído, o impacto seria muito maior. Quando a economia voltar a crescer — e vai voltar —, esse momento passa.

Dizem, inclusive dentro do PT, que  Lula abandonou Dilma, e que ela está sozinha. Como avalia isso?
Isso é lenda, não existe. Eu conheço o Lula. O Lula não abandona um amigo. Aconteça o que acontecer. E essa história de que o Lula quer mandar na Dilma é outra conversa fiada.

Lula volta em 2018?
Não sei. Seria bom para o Brasil. Saúde ele tem, disposição, ele tem. Mas não sei.

O PT tem errado muito? 
O PT erra, a sociedade erra. Acho que o grande erro é achar que se um padre é pedófilo, a Igreja fica satanizada. O PT tem pessoas boas e pessoas que não prestam. Isso é o conjunto da sociedade. Mas tem uma coisa que o Ciro Gomes tem razão. Como nós fomos a palmatória do mundo, a gente não poderia pecar, mesmo os nossos pecados sendo, muitas vezes, menores do que os dos outros. A gente se apresentou como os puros. Quem é puro não pode cometer nenhuma falha.

E os pedidos de impeachment ?
Isso é a coisa mais absurda. Se for fazer impeachment de governo porque é mal avaliado, tem que tirar todos os governadores e prefeitos. A eleição é de quatro em quatro anos. Tem o momento exato para trocar os políticos, a não ser quando cometeu crime, coisa que ela não fez.

Em 2018, o PT pode não ser cabeça de chapa? 
Acho que o PT tem que ter clareza de que não pode sempre ser cabeça de chapa. O PT tem avaliar o seguinte: se há um programa que se adeque conosco, podemos ir com ele. Se não tem, lançamos candidato.

A chamada “velha política” ainda tem chances no Distrito Federal?
A gente sempre se considerou uma cidade altamente politizada. Mas, com o crescimento e o inchaço, a cidade também criou seus grotões, não é diferente do interior do Piauí, onde prevalece a política do dinheiro, da compra de voto. Isso é grave. Portanto, aqui tudo é possível.

Se o governo Rollemberg não der certo, por exemplo?
Por isso que eu quero que dê certo. Porque a gente precisa avançar. Não dá para voltar. Mas você pega as relações do Legislativo com o Executivo. O primeiro escândalo do governo Roriz, nos anos 1990, foi dos Anões do Cerrado. Havia os Anões do Orçamento, e aqui tínhamos os Anões do Cerrado. O mesmo esquema que pagava um pagava outro. Aí no governo Cristovam havia uma grande dificuldade com a Câmara Legislativa. E é bom lembrar que o negociador do governo Cristovam na Câmara era o Waldomiro Diniz, era o secretário parlamentar. Na volta do Roriz, você teve as mesmas práticas de antigamente. No governo Arruda, eu pedi a ele que tivesse uma relação diferente com o Legislativo, mas durou seis meses… E o resultado dessa relação você vê nas últimas eleições. Da base do Agnelo, foram eleitos 15 distritais, e ele não foi nem para o segundo turno. Porque cada um fazia sua própria campanha, em interesse próprio.

E com o Rollemberg?
Ele fez pior. Negociou escondido. Tem deputado com administração, tem deputado com empresa… Deveria ter feito às claras. Tanto é que eu apresentei um projeto que não prosperou, que determinava que cada indicação de cargo comissionado tivesse o DNA de quem apresentou, para deixar às claras, mas claro que o projeto não andou.

Essa negociação é só na questão de “loteamento” de cargos ou vai além?
Antes, eles pagavam. A Caixa de Pandora, o que foi? Pagamento de apoio político. Espero que hoje só se faça o loteamento político.

O segundo semestre será com a mesma dificuldade? 
No primeiro semestre, o governador só mandou coisas ruins, de aumentos de impostos, quando dá para fazer de outro jeito. Quando ele quis aumentar o IPTU, alguns casos em até 600%, deveria ter feito o recadastramento dos imóveis. Com isso, ele vai arrecadar mais do que com aumento de impostos. Outra coisa que estou batalhando: a Lei de Uso e Ocupação de Solo. Temos 100 mil estabelecimentos funcionando na ilegalidade no DF que podem pagar impostos. Tem que ter coragem de mandar o projeto. E onde tiver submarinos nós vamos denunciar.

E esta Câmara Legislativa hoje? Já começou ou está como o senhor disse sobre Rollemberg? 
Essa Câmara é cheia de contradições. Tem muita gente ali que não sabe o real sentido do que é o poder. Acho que não se pode ter birra com o governador. O que está em jogo é a cidade. Vai ter muito problema. Tem uma pessoa, o Hélio Doyle, que satanizaram, mas que não é o demônio. Ele é uma das pessoas mais inteligentes que conheço. Acho que Rollemberg não teve coragem de fazer o enfrentamento e perdeu com isso.   Esse enfrentamento foi feito pela presidente da Câmara, Celina Leão.

O que achou daquela postura? 
Acho que o governador deveria ter dito que os Poderes têm que ser harmônicos, mas no governo dele quem manda é ele. Se o homem forte do governo cai daquele jeito, que tranquilidade os outros terão?

Qual é o mais grave problema do DF hoje?
Um assunto da maior gravidade é a invasão de terra. Esse é o problema mais terrível que temos. Os grileiros de Brasília ganharam mais dinheiro do que qualquer grileiro das matas da Amazônia.

Tem grileiro na elite e na pobreza?
Tem grileiro rico e grileiro pobre. Tem de todas as matizes. Eles andam livres e soltos grilando por aí. Quando põe alguém sério, que parte para o enfrentamento, e quer botar ordem e tem coragem,  fazem de tudo para derrubar. É o caso dessa diretora da Agefis, uma mulher de bem, corajosa. Tem um monte de gente querendo derrubá-la. Numa audiência ontem (quarta-feira), ela disse brincando: esta Brasília está mesmo de cabeça pra baixo: os deputados da base do governo lutando pra me derrubar, e o senhor da oposição é o único que me defende.

Por que nos dois governos do PT essa grilagem não foi estancada? 
Tentou-se fazer e não se conseguiu. São poderosos. Envolve aquela velha história: “Sabe com quem está falando?” . Quer grilagem maior do que Vicente Pires? Passou por todos os governos. O Itapoã era uma área da Aeronáutica. Grilaram terra das Forças Armadas. O povo não tem culpa disso. Tinha uma política habitacional organizada até a década de 1980. A partir do momento que foi dado lote apenas para quem invadia… No governo Roriz, só invasor era beneficiado.

O deputado Wasny de Roure conseguirá ser eleito pela Câmara Legislativa para a vaga noTribunal de Contas do DF?
Estou lutando por isso. Tenho o maior respeito pelo Dr. Michel, que é um deputado bom, mas o deputado Wasny tem bastante experiência. Para o Tribunal de Contas, ele é o melhor nome.

Mesmo que isso signifique reduzir a bancada do PT na Câmara Legislativa? Não enfraquece o partido na oposição?
Tiveram momentos que o PT não tinha ninguém no parlamento e fazia a luta social mesmo assim. Eu tenho o maior respeito pelo Chico Leite e pelo Cláudio Abrantes, mas lamento que eles estejam indo para a Rede. Se tem uma coisa que o eleitor não perdoa é traidor. Se fui eleito por um partido, não posso sair desse partido. Isso é uma coisa que a gente precisa aprender no Brasil. Nos Estados Unidos, se um democrata vira republicano, está liquidado.

O senhor foi um grande defensor de Cristovam Buarque. Ainda está disposto a defendê-lo? 
O Cristovam é uma pessoa de muito respeito. Só acho que ele anda muito egoísta. Tenho carinho por ele. Tem uma coisa que marcou muito. Quando ele perdeu a reeleição, deixou a residência oficial e voltou para a Asa Norte, cheguei à casa dele e ele estava desempacotando as caixas com a dona Gladys. Eles estavam arrumando os livros na estante, no mesmo apartamento onde sempre morou. Eu pensei: “Esse é o tipo de político que serve para o país”. Portanto, por mais que ele me faça raiva, gosto dele.

E ele lhe faz muita raiva? Quando Cristovam critica a presidente Dilma e o PT, incomoda?
Incomoda muito. Porque tenho dito: primeiro porque a Dilma é mulher. Não se deve criticar, considerando-se todas as dificuldades que as mulheres atravessam. Segundo, porque ele já foi governador e sabe a dificuldade que é. Sabe que não se faz tudo o que se quer. Ele não conseguiu fazer tudo o que queria.

E o senhor perdeu a eleição em 1998 de tanto defendê-lo? 
Eu tinha sido eleito deputado federal mais votado em 1994, de Brasília e proporcionalmente do Brasil. Tanto é que o Sérgio Manberti, que é petista, disse ao Cristovam — e isso me emocionou: “Você é um homem mau. Como é que você, governador, permite que o Chico Vigilante perca uma eleição? Ele é importante para o Brasil”. Eu perdi porque defendi como ninguém. E não me arrependo de ter empenhado o meu mandato para defendê-lo.

Da chegada à Rodoviária, em 1977, para hoje, o que marcou mais a sua vida? 
A coisa que me marcou mais e me fez entrar para essa luta foi o dia em que um vigilante morreu e a família não tinha como sepultá-lo. Tivemos que fazer uma vaquinha para o enterro. Isso é que me trouxe para essa luta. Eu disse que nunca mais um vigilante passaria por aquilo.

Foi vigilante quanto tempo? 
Continuo vigilante. Estou apenas licenciado da empresa. Eu trabalhei, no meu primeiro dia de serviço, no quinto andar do Tribunal de Justiça. Depois, trabalhei na Telebrasilia, Ceasa, Colmeia… Veio a greve, me demitiram. Muito tempo depois, fizemos uma greve para obrigar uma empresa a me contratar para que eu pudesse assumir a presidência do sindicato.

Para um homem nordestino e pobre, foi difícil conseguir tantas conquistas?
Não era natural. Quando eu cheguei ao Congresso Nacional, na primeira vez que entrei no plenário, em1991, senti que estava ocupando um espaço que não era meu. A primeira batalha foi fazer com que meu nome constasse como Chico Vigilante. Foi uma semana de luta. Queriam botar Francisco Domingo dos Santos. Eu dizia: “É Chico Vigilante”.

Tem muito preconceito ainda no Brasil com pobre, negro, mulher? 
Pobre, negro, nordestino, prostituta e homossexual. Continua o mesmo preconceito velho de sempre.

Apanha muito nas redes sociais? 
Eu respondo. Batem bastante e eu também dou as minhas.

De onde o senhor tira essa determinação? 
Veja bem: um camarada que nasceu numa família extremamente pobre, nunca tinha visto água tratada e até os 23 anos usava lamparina para iluminação… Minha mãe, muitas vezes, tinha que dividir um ovo para quatro meninos. Dois ovos para oito irmãos, comendo mingau de arroz. Tinha trabalhado na construção civil em Roraima, em Tucuruí. Muitas vezes, a gente via aqueles pães doces na vitrine e não tinha dinheiro para comprar, com a boca cheia d’água. Isso foi me transformando no que eu sou. Não tive facilidade. E aí optei por sempre falar a verdade. Não tenho medo de nada.

Por que veio para Brasília?
Primeiro fui para Roraima, depois Tucuruí (PA)… Lá aconteceu uma coisa que, para mim, foi um milagre. Tive uma febre tão terrível que a pele saía. Eu fiz uma promessa que se sobrevivesse iria a um festejo que tem lá no Maranhão e daria uma volta de joelho ao redor da igreja. Era a festa de São Raimundo Nonato. No mesmo dia, o pai do médico que estava me tratando ficou doente. Veio outro médico, do Rio de Janeiro, para nos tratar, funcionários da Camargo Corrêa. Quando o médico chegou e perguntou “O que você tem?”, eu respondi: “É malária”. Ele disse que não era e alterou minha medicação. Eu estava havia oito dias sem comer. Escapei. Quando voltei para casa, minha mãe achou que eu era um fantasma. Ela já tinha encomendado a minha alma. Ela me abraçou chorando. Depois, paguei a minha promessa. Também dei muito trabalho para nascer. Minha mãe esperou oito dias.

Sua mãe ficou orgulhosa de seu ingresso na política? 
Ela tinha muito medo. Dizia: “Meu filho, você não pode mexer com esse povo grande”. Minha avó e bisavó eram anticomunistas, sem saber o que era comunismo. Tinha a questão da religiosidade do interior de Pernambuco. Elas foram para o Maranhão a pé, fugindo da seca. Andaram três meses. Naquela época, eu não sabia o que era Cuba ou Fidel Castro. Mas elas, qualquer coisa que achavam malfeito, diziam: “Isso é coisa do Fidel Castro”.

 A sua mulher é daqui?
Não. É maranhense. Outro detalhe da nossa vida. Eu a conheci e em 15 dias nos casamos. Casamos sem namorar e estamos há 33 anos casados. Além de o amor que sinto por ela ser eterno, tem uma coisa que motivou muito. O pai dela era cearense, morando no Maranhão, e muito racista. Depois, virou amigo e se mostrou uma pessoa extraordinária. Mas, na época, como sou negro, ele disse para a filha: “Você não vai casar com este negro safado”. Eu disse: “Agora eu vou para mostrar para ele que não sou negro safado”. E deu muito certo. Sem ela para cuidar de casa e dos filhos, eu não teria conseguido fazer a luta que fizemos.

Entrevista concedida ao jornal Correio Braziliense.

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