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Hamilton Pereira responde ao Correio Braziliense

A propósito de matéria veiculada na edição do jornal Correio Braziliense do dia 30/1, sexta-feira, intitulada “A farra dos cachês na gestão Agnelo Queiroz”, assinada por Matheus Teixeira e Isa Stacciarini, o ex-secretário de Cultura do DF Hamilton Pereira tem a dizer o seguinte:

“Sr. Editor,

Sobre a matéria veiculada neste diário, em 30 de janeiro de 2015, venho, em nome do direito do cidadão à informação e do respeito ao leitor esclarecer o que se segue:

A gestão da Secretaria de Cultura do DF iniciada em 1o de janeiro de 2011 encontrou uma situação de descalabro e de informalidade nas relações entre o Estado e os produtores culturais e artistas, herdada das gestões anteriores, agravada particularmente no período conhecido pelos processos investigados pela “Operação Caixa de Pandora”.

A reconstrução das relações entre o Estado e a Sociedade dentro de padrões democráticos e republicanos pautou desde o primeiro dia a conduta da gestão que adotou, ao longo do mandato, as iniciativas políticas e administrativas adequadas para conferir a formalidade necessária, a transparência e a lisura dos contratos.

Cumpre esclarecer que a apuração dos fatos que deram origem à matéria e o relatório que lhe serve de referência resultam do trabalho realizado no mandato anterior, o que revela nosso compromisso com o interesse público. Não se trata, portanto, como pode fazer pensar a matéria publicada, que resulta de algum esforço moralizador realizado nos últimos trinta dias.

De posse do relatório e para melhor informar o leitor indico abaixo os apontamentos pertinentes a cada um dos tópicos tratados na matéria:

1 – Pagamentos superfaturados: A Secretaria de Cultura não pagava cachês com sobrepreço aos artistas.

a) No caso mencionado de Arlindo Cruz, a diferença do valor do cachê se deu tendo em vista que a primeira das apresentações se deu fora de temporada, ao passo que a segunda se deu precisamente na data mais valorizada do ano para qualquer artista brasileiro, que é o Reveillon. Na ocasião, quase 100.000 (cem mil) pessoas assistiram as festividades.

b) No caso de Alceu Valença, o valor menor de cachê foi referente a uma apresentação solo do artista, ao passo que o valor maior refere-se a uma apresentação do artista acompanhado de sua equipe de músicos e técnicos. O valor pago foi o valor regularmente cobrado para seu show “completo”.

c) Não é verdadeira a informação de que o rapper GOG teria recebido R$ 100.000,00 por uma única apresentação. Na verdade, tratou-se de execução de recursos aportados por meio de emendas parlamentares ao “Projeto ISO 9001 do Gueto”, no âmbito do qual o artista realizou diversas apresentações em oito escolas públicas de Planaltina, Guará, Paranoá, e Santa Maria, ao preço de R$ 12.500,00 cada uma.

d) O mesmo ocorreu com a banda Tropa de Elite: o valor de R$ 300.000,00 não se refere a um único show, mas sim a diversas apresentações dos artistas nas escolas púbicas de Ceilândia no período entre 12/09 e 14/10/11, ao preço unitário de R$ 12.000,00 realizadas no âmbito do programa “RAP Hour nas Escolas”, apoiado com recursos  de emendas parlamentares.

2 – Dispensa de licitação e direcionamento

A própria legislação aplicável é que estabelece expressamente que a contração de artistas será feita por inexigibilidade de licitação (e não dispensa, como mencionado na matéria), no art. 25, inciso III, da Lei 8.666/93.

A inexigibilidade é justamente quando não é possível comparar eventuais interessados a partir de critério objetivos; no caso, essa impossibilidade é inerente à inegável subjetividade do trabalho ou obra artística.

Direcionamento, por outro lado, é a subversão de uma licitação. É a realização de uma competição meramente de aparência, pois o vencedor já é sabido de antemão. A forma comum de direcionamento é a inclusão no edital de licitação de cláusula exigindo determinada condição que sabidamente só um dos concorrentes cumpre. Não havendo competição, impossível se falar em seu direcionamento.

A matéria menciona o “direcionamento de projeto de convocação” e que “são estabelecidos critérios e , quem melhor atendê-los, vence a concorrência”, quando, no entanto, não existe projeto de convocação  e tampouco convocação alguma.

O que está sendo chamado de direcionamento é a mera identificação no respectivo processo de quem será contratado, o que é absurdo.

3 – Duplicidade de empresários e endereços inexistentes

A Lei 8.666/93 diz que o empresário deve ser exclusivo, ao passo que o Parecer 393/2008 da PGDF diz que a prova será feita por declaração assinada pelo artista indicando quem é seu empresário exclusivo. O documento, portanto, é particular e de responsabilidade do próprio declarante. Se a declaração é fraudulenta, trata-se de questão criminal cuja apuração é atribuição dos Órgãos competentes para tanto, como a Polícia e o Ministério Público, os quais contam com equipamentos e peritos aptos a identificar fraudes, ao contrário da Secretaria de Cultura.

Importante anotar que a Secretaria tomou providências buscando dar mais segurança aos processos nesse aspecto, exigindo o reconhecimento de firma nas declarações de exclusividade.

Quanto à questão dos endereços dos empresários, não há autorização legal para que a Secretaria de Cultura pudesse investigar, caso a caso, a procedência dos endereços indicados por todos os envolvidos em processos de contratação artística. Aliás, o Tribunal de Contas do DF já declarou a ilegalidade de cláusula de edital de licitação da Secretaria de Cultura que justamente previa a visita in loco para conferência da existência dos equipamentos declarados pelas empresas licitantes – cuja vencedora é quem irá prestar o serviço contratado, ao contrário dos empresários exclusivos, cujo papel é irrelevante na execução do contrato, a ser cumprido pelo próprio artista, que é o efetivo contratado e prestador de serviço.

4 – Possibilidade de empresários embolsarem parte do cachê

O percentual ou valor da comissão recebida pelo empresário, ou a apropriação de parte indevida do cachê pago, é questão particular entre aquele e o artista agenciado, escapando à fiscalização da Administração. A Secretaria de Cultura sempre estimulou a contratação dos artistas sem intermediários, como ocorreu no mencionado caso de Arlindo Cruz, mas a grande maioria dos artistas prefere utilizar a faculdade legal de se fazerem representar por empresário.

5 – Fragilidades do SISCULT

Primeiramente, é importante dizer as normas específicas de contratação artística trazidas pelo Decreto nº 34.577/13, incluindo a criação do SISCULT, vieram justamente para aprimorar os mecanismos de contratação no âmbito do Distrito Federal. As inovações, contudo, só entraram em vigor no final de 2013, de modo que a Controladoria analisou apenas os primeiros processos formalizados de acordo com os novos critérios, sendo natural a identificação de eventuais falhas.

No tocante ao controle do rodízio de artistas credenciados, é preciso dizer, em primeiro lugar, que nunca havia existido, ou seja, nenhuma outra gestão havia realizado qualquer controle de rotatividade na contração de artistas em de eventos públicos.

Desse modo, o controle “manual” desse rodízio, que sequer existia, não poderia ser considerado uma falha. Seja como for, o fato é que o SISCULT sofreu diversas melhorias e aprimoramentos desde sua criação, incluindo o controle automático do rodízio realizado desde 2014.

Quanto à menção da “fragilidade na verificação de idoneidade das documentações apresentadas no cadastramento” é preciso esclarecer que a documentação apresentada no momento do cadastramento era conferida por comissão formada por servidores da Secretaria de Cultura, caso a caso, não havendo nenhum tipo de “autenticação” automática pelo SISCULT. É uma rotina sujeita a aprimoramentos e depende dos recursos humanos disponíveis. Por esse motivo é que a Secretaria de Cultura realizou o primeiro concurso público para contratação de novos servidores de carreira em 26 anos.

A indicação sobre supostas fragilidades no SISCULT porque “o correio eletrônico para a comunicação com os usuários é de empresa privada” soa ridícula, quando não desonesta. Em primeiro lugar, porque não temos conhecimento da existência de provedor público de e-mail. Além disso o provedor utilizado é o Gmail, do Google, que é o serviço de e-mail mais utilizado no mundo, e usa protocolo que garante inclusive a criptografia das comunicações realizadas, segundo os termos do contrato de serviço.

Causa surpresa e indignação a crítica, especialmente porque vários órgãos públicos e empresas utilizam serviços de e-mail privados e gratuitos como o Gmail, inclusive a própria Procuradoria Geral do DF, Órgão ao qual é vinculado o zeloso denunciante, responsável pela publicização do Relatório citado na matéria. A Procuradoria Administrativa da PGDF (PROCAD), por exemplo, utiliza o serviço de e-mail do Yahoo para comunicação institucional, por meio do endereço eletrônico assessoriaprocad@yahoo.com.br .

Por fim, registre-se que o Decreto 34.577 e o SISCULT já possibilitaram inegáveis avanços no que toca à democratização do acesso dos artistas do DF aos recursos públicos alocados para a realização de iniciativas culturais que sempre ocorreram. Diversos artistas e mesmo segmentos artísticos inteiros antes alijados das Políticas Públicas de Cultura foram contratados pela primeira vez pelo Estado, fomentando significativamente o mercado da cultura do DF. Após a entrada em operação do novo mecanismo de contratação, não ocorreu, por exemplo, o pagamento de cachês superiores a R$ 30.000,00 para bandas de baile, o que antes era corriqueiro. Qualquer rito administrativo, ou plataforma de trabalho no início de sua implantação estão sujeitos a aprimoramentos. Cabe à atual gestão e às futuras buscá-los para melhorar efetivamente a prestação dos serviços públicos.

Brasília, 31 de janeiro de 2015.

Hamilton Pereira da Silva

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