Por: Cláudia Farinha*
Para se ter uma ideia do tamanho do desafio da questão fundiária no Brasil, basta olhar os dados do último Censo Agropecuário 2017, para vermos como a estrutura fundiária continua concentrada no país. Só para ter uma ideia, quando analisamos os números de terras ocupadas, constatamos que as áreas com menos de 10 hectares, mesmo sendo mais da metade do total de estabelecimentos do País, ocupam apenas 2,29% do território nacional; enquanto isso, as áreas acima de 1000 hectares, que representam 1% do total de estabelecimentos, ocupam 47% da terra de todo o território nacional.
Além disso, muitos Projetos de Assentamentos, apesar de terem sido criados há vários anos, sequer receberam a infraestrutura necessária, tampouco foram liberados os créditos e financiamentos que garantiriam o pleno desenvolvimento das famílias assentadas.
Desde 2016, o INCRA parou de fazer o investimento nas políticas sociais e de infraestrutura nos Projetos de Assentamentos e priorizou a emancipação/titulação massiva de assentamentos sem a garantia de qualidade de vida para as famílias assentadas.
É preciso retomar o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e que ela possa promover a desconcentração fundiária e orientar o uso da terra e dos recursos naturais, ao contrário não será possível romper com as questões estruturantes que impedem a concretização do desenvolvimento sustentável e solidário e o combate à violência, à miséria e às desigualdades.
A Agricultura Familiar e a efetiva Reforma Agrária são estratégicas para a recuperação, conservação do meio ambiente, produção de alimentos saudáveis e de geração de vida digna no campo.
Para isso é preciso a retoma imediata do Programa Nacional de Reforma Agrária que garanta recursos para aquisição de áreas para criação de novos Projetos de Assentamentos.
É preciso que nessa retomada o governo reconheça especificidades regionais do país e dos diversos sujeitos do campo, da floresta e das águas, jovens, mulheres, idosos, população LGBTQIA+ na luta e efetivação da Reforma Agrária e nas relações étnico-raciais e que garanta a participação desses sujeitos e de suas organizações representativas no debate.
Tanto para os novos Projetos de Assentamentos, como para os já criados é preciso garantir infraestrutura, assistência técnica, acesso a políticas sociais como educação e cultura, orientação para produção e comercialização, acesso à tecnologias e à internet.
Por fim, quanto à titulação de assentamentos, essa não deve ser uma política que simplesmente empurre os(as) assentados(as) para as mãos do agronegócio. A titulação deve ser entendida como um direito da família, por isso é preciso garantir a infraestrutura e a disponibilização das políticas públicas que possibilite a consolidação com o pleno desenvolvimento das famílias. Além disso, é preciso respeitar a autonomia dos(as) assentados(as) e suas organizações na definição sobre a forma de titulação dos projetos de assentamento da Reforma Agrária, ou seja, para emitir Título Definitivo ou Concessão de Direito Real de Uso, seja de forma individual ou coletiva, deve-se considerar a sua organização social e produtiva das famílias.
Os desafios são grandes, mas é possível superá-los e possibilitar vida digna às famílias assentadas.
Cláudia Farinha – Agricultora familiar, ecossocialista, Co-Secretaria Agrária do PTDF.